Volte-Face

 

Volte-Face

Inglês

Era intensa a chuva, quando numa noite sombria, de súbito, se ouviu uma porta a bater. Ouviam-se passos apressados e algum soluçar, para trás ficara uma vida destruída, um passado feliz, embargado por uma crise financeira que lhe roubara a casa, o emprego, o marido…
Pairava a estranha sensação de que nada é eterno, o que somos hoje, rapidamente poderá desvanecer-se, e ninguém estará imune a este possível volte-face.
Hoje sou pó do que outrora fui mas, uma réstia de otimismo, talvez a última, fez-me bater a porta e abandonar o estado melancólico em que me encontro – hoje decidi que vou ser feliz!
Choro de alegria porque, ao fim de 5 anos de sofrimento, me dispus a escrever num modesto guardanapo de papel, tudo o que pretendo alcançar. Só lamento ter escolhido uma noite tão chuvosa para dar início ao meu “programa de reestruturação”. Estou ensopada e carrego na mala dezenas de flyers que decidi distribuir pelo meu público-alvo. Sinto que vou crescer e acredito em mim.
Tenho já umas quantas ações planeadas, já defini prazos para as realizar, agora vou à luta! Lembrei-me que tenho amigos, conhecidos, familiares que me podem ajudar a publicitar o meu negócio, está tudo arquitetado na minha cabeça e agora passado para o papel.
Olho-me ao espelho… estou velha… mas de súbito ocorre-me que não posso pensar negativo, nem tão pouco desmoralizar. Começo agora a ver-me como uma mulher experiente, de sucesso, vou dar-me um toque profissional, afinal hoje é a minha primeira reunião de negócios.
Lembro-me que apenas tenho 7 segundos para criar uma boa impressão, por isso zelo por uma aparência cuidada, não descurando a forma como comunico, como cumprimento, como passo a minha mensagem.
Olho-me ao espelho… vejo agora uma mulher madura, uma verdadeira executiva! “Compraria” a minha imagem, por isso estou perfeita, sinto-me invencível!
A reunião foi um êxito, fechei um negócio que muitos achavam improvável. Estou cada dia mais confiante e no caminho do sucesso. Tenho um segredo, uma receita simples, que me faz sentir poderosa – as minhas unhas pintadas de vermelho e a música “Don't Stop Me Now” dos Queen - que ouço pela manhã, dão-me um poder sobrenatural.
Vou sair… o Porto está na moda! Vou deambular pelo centro histórico, vou subir à Torre dos Clérigos – nunca o fiz, vou terminar na Ribeira, onde outrora fui tão feliz!
Observo os barcos rabelos no rio, quero fazer um cruzeiro entre as pontes mas assola-me a fobia à água - um dia destes tenho que ultrapassar isto, resmungo.
Tudo está perfeito, o casario refletido nas águas do Douro, os turistas, as vendedoras, as esplanadas, as pontes…contemplo… sinto uma energia revigorante com capacidade para iluminar meio mundo, nada poderia estragar o momento…
Sinto um encontrão, uso de todas as técnicas possíveis para cair com estilo, mas… caio que nem um tordo, desamparada… a sério??? Rabujo. Com o joelho ensanguentado, apresso-me a levantar e fingir que nada aconteceu, quando sinto alguém tocar-me no ombro: “precisa de ajuda?” - nego, sorrio, coro e sinto-me estranhamente atraída por aquele cavalheiro que, como que do nada, começa uma interminável e interessante conversa.
Oh não!!! Será possível?! Irei apaixonar-me de novo???...

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