com isto cheguei atrasada ao matadouro

 

com isto cheguei atrasada ao matadouro

Português

às vezes perco-me no berço

à procura do silêncio

que antecedeu este vácuo diabólico

remendado por políticos sem amor próprio.

porque

os meus companheiros sucumbem

à doença da pressa

resto eu e os estagnados

que celebram mais uma

greve.

resto eu e o meu gesto.

nem sequer me recordo

da última voz que escutei com tempo.

talvez nem desde que nasci.

sinto que assinaram por mim

um contracto vitalício

para vender a minha liberdade pelo suor dos meus progenitores.

venderam-me e não mo disseram.

pois bem,

agora só me resta procurar o silêncio

em cada estalo camuflado por presentes anos.

agora decoro rostos e imbecilidades

de tal forma que me habilitei

a uma tese académica eterna sobre a azia intermitente.

observo com sarcasmo e delícia

o rejubilar, em breve finito,

dos arrogantes e dos sem auto-estima.

parece-me conseguir já ver a sua pele

a vibrar dos espasmos de culpa

e vulgaridade.

não quero responder

pela ingenuidade dos outros

ou pela falta de atenção.

não vos mostro os dentes

se não me pedirem para vos ouvir.

não quebrem o meu silêncio.

quebram-me o silêncio

e eu quebro-vos

as vossas tão bem soldadas ilusões.

28-08-2014 mas remexido mais tarde

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