E o burro sou eu

 

E o burro sou eu

Português

Hoje em dia erguem-se muitas vozes em protesto quando certo tipo de pessoa é marginalizada na sociedade: a pessoa gorda, a pessoa feia, a pessoa pobre, ou a pessoa deficiente. Esta última porque não tem apoios suficientes, porque não tem acesso ao mercado de trabalho, até mesmo naquelas funções que podia desempenhar como qualquer outra, não tem acesso fisíco a muitos locais ou meios de transporte. Têm vindo a desenvolver-se (poucos) progressos, mas a mentalidade ainda está atrasada, tanto a do governo que não considera estes apoios uma das prioridades, como a das próprias pessoas quando são confrontadas com a realidade: vozes de protesto, mas não tantas. Isto leva-me a falar de um assunto que normalmente não é sequer equacionado: vou falar dos “burros”. Não os de quatro patas que, ao que sei, até são animais muito inteligentes, mas sim as pessoas com baixo QI e dificuldades de aprendizagem. São muitas estas pessoas, seres invisíveis perdidos no sistema de ensino, rotulados das mais diversas formas: inicialmente são “burros”, e o seu percurso escolar leva-los depois a serem “inadaptados”, “sem empenho”, “distraídos”, e com “problemas de comportamento”. No sistema básico de ensino são crianças que até podem ir altamente motivadas, mas as dificuldades que apresentam vão, aos poucos, distingui-las de forma negativa relativamente aos colegas. Entram então em contacto com a palavra “burro” no sentido depreciativo da palavra, e começa o caminho doloroso da destruição da auto-estima. E da aversão à escola. Os pais tentam ajudar, mas o desinteresse instalado vai dificultar a tarefa, e aumentando a frustração de ambas as partes. Vem depois o rótulo da falta de empenho e da conhecida “preguiça mental”. O grau de exigência aumenta e, sem se dar conta, esta exigência é muito maior do que aquilo que a pessoa pode dar, o que leva a uma revolta ou, em contrapartida, a um isolamento depressivo. E assim se desenvolve um ser humano, que se sente à margem, muitas vezes ridicularizado, até porque a sua insegurança não lhe permitirá relacionar-se com o próximo talvez de uma forma adequada aos padrões da sociedade em que está inserido. Felizmente existem professores e pais empenhados e com uma visão mais ampla e que, em conjunto com ajuda médica, trabalham o potencial existente, estimulando e criando um quotidiano adaptado às necessidades específicas do aluno/filho: este tem, efectivamente, uma condição especial mas que não é reconhecida como as outras, não é visivel como a falta de um membro ou a presença de uma cadeira de rodas: um problema neurológico, silencioso, escondido num corpo perfeito em tudo semelhante aos outros. É, simplesmente, “burro”, aquele que é gozado e tolerado, o “cromo” que cresce com feridas emocionais, vítima invisivel da crueldade alheia, muitas vezes inconsciente. Mas que marca e define a criança que é e o adulto que vai ser. E limita ainda mais os horizontes de quem acaba por não conseguir dar o seu melhor, dentro do melhor que pode dar. Como diz o outro “Vale a pena pensar nisto”.

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