Sonhar em Sonhar

 

Sonhar em Sonhar

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“Há versos que não se contentam em ser versos, e transformam-se em canções! Depois disto entranham-se como herança popular em adágios. Um deles é o tão citado “Eles não sabem, nem sonham / que o sonho comanda a vida (…) pula e avança / como bola colorida”.

Um tema tão pensado e escrito, meras teorias e interpretações pessoais, precipitam à volta desta essência impenetrável. A procura diária das coisas e a relação com os outros depara-se com um princípio transversal – o agarrar. A fluidez do sonho e a atmosfera que se cria à sua volta escudam-se num único valor absoluto: a sua genuinidade!

 

Este agarrar instantâneo, rápido e direto não se depara com a integralidade do sonho. Este é amplo, inacessível de tocar, jamais fecundado pela moda, sociedade ou mesmo pela família. O sonho só por si não sobrevive. Somos dotados pela capacidade de sonhar, e esta alimenta, do amanhecer à próxima aurora, qualquer ser que dela se apodera involuntariamente.

Contudo, o sonho é uma filosofia de vida, onde moldamos as bordas limitantes desse ambiente à nossa imagem e semelhança. O sonho vai-se tornando, pouco a pouco, num afunilamento da realidade em função das nossas necessidades, esquisitices e mesmo extravagâncias. Neste sonho, enquanto filosofia ou modo de vida, fixamos o nosso egocentrismo, escravizando a vontade dos envolventes figurantes.

 

Em paralelo, o sonho e a capacidade de sonhar associam-se aos nutrientes e alimentos, respetivamente. Como absorver os nutrientes sem os alimentos? Repito a mesma questão para os sonhos. Para que serve o sonho se não temos a capacidade de sonhar?

O sonho não contempla uma moralidade, nem mesmo a humildade, pelo contrário, torna-nos egocêntricos. Afinal, qual é a importância de dotar a capacidade de sonhar?

 

Não tentemos definir o sonho, preocupar-nos-emos com a capacidade de sonhar. O sonho existe por si mesmo, como consequência da nossa capacidade de sentir. Como dizia Fernando Pessoa “A ciência descreve as coisas como são; a arte como são sentidas, como se sente que são”. Assim, vemos que o sonho é uma arte. Não tentemos decifrá-la, mas sim apreciá-la e aumentar o nosso reportório nesta área. Egocêntrico? Imoral? Não importa! A capacidade de sonhar prepara o terreno para o cultivo ou compõe o concreto epitáfio da sepultura da nossa integridade ética.

Sem nos esquecermos, e continuando a citação, “O essencial da arte é exprimir”. Capacitados desta arte, usemos e abusemos da mesma, pois “o sonho comanda a vida (…) pula e avança / como bola colorida”.

 

Bernardo D. Nascimento Teixeira 

(Texto que editei há algum tempo na Chiado Magazine)

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