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"Filhos duma Casa Vazia" de Rosa Maria Ribeiro

 

"Filhos duma Casa Vazia" de Rosa Maria Ribeiro

€5.99 IVA incluído

Ebook. Artelogy. 2024.

 

OS CAMINHOS QUE CORTAM AS MÃOS

Não me lembro quando nos conhecemos, mas sei que aconteceu quando as palavras abriram a porta, sem mesura e permitiram ao verbo soltar o que de mais espontâneo existe em nós. Ao longo dos anos, habituei-me a ler os seus textos necessitados de horizonte, de serem livro para resistirem ao tempo, para perpetuarem a voz da poeta na intemporalidade do seu ofício. Tudo o que conheço de Rosa está na sua escrita, atravessa a diagonal da luz que se esconde quando o verso quebra e retoma o ânimo no sopé da montanha. A sua poesia ensina a vida e os seus caminhos que se desfazem na paisagem, se não cuidarmos dos instantes como fragmentos de uma esperança. “Dizem que me apresse” (frag.68) como se a urgência fosse chegar às águas do oceano para deixar de existir, onde tudo se mistura com as “mãos que te pesam” (frag.67) e aceitam “engolir-me os passos de que faço os sonhos” (frag.66).
É este o magma com que termina Filhos Duma Casa Vazia, um logradouro com vistas para um tempo que anuncia um relógio parado: “chegou a hora” (frag.66). Há nesta poesia um olhar inquieto, espreitando o sopro das marés, “as noites que queremos, já. mansas. caladas. onde não acordemos mais” (frag.65). A poeta assume que os dias têm “vozes aflitas” (frag.64) e pergunta “que é do colo que me embalou / o primeiro sonho” (frag.64). Convida-nos, também, a fixar esse espelho de memórias, feito de perdas e medos, no espaço onde assume a “casa de onde parto para ser livre” (frag.63), uma espécie de confissão ontológica que não pode contrariar. Embora este livro não tenha índice, isso não impede o leitor de procurar a seiva poética que escorre ao longo de 68 fragmentos unidos pelos pilares envoltos de pessimismo e esperança, “porque só podem ser atalhos os caminhos que cortam as mãos” (frag.61).
O corpus deste livro alimenta-se de uma constelação de recursos naturais e das suas consequentes cores - rio, céu, mar… -, onde os olhos encontram a linha de uma perenidade impossível. Depois chega essa avidez pela liberdade, essa utopia filosófica que não perde a modernidade: “não fosse a boca ter fome e não havia prisão” (frag.60). Estamos no território reflexivo, a espuma dos poetas, a matéria sem estado, a volúpia que se propõe salvar o pessimismo de uma solidão irreversível. Quando a poeta desiste é que acredita. As palavras amparam-se na íngreme voragem do tempo. A sua Arte Poética é tecer o caminho, procurando os sinais “para mudar as palavras que virão” (frag.59). O silêncio que atravessa as veias da sua escrita é, quiçá, uma diabolização das tempestades que os barcos atravessam onde se “deixa que entre os lábios soprem os ventos que as árvores pedem” (frag.55).
Em Filhos Duma Casa Vazia persiste a ideia de finitude que vai de texto em texto, como um clarão, iluminando a noite indesejada que as palavras teimam adiar. A escrita salva os instantes, e são estes que renascem semeando cravos: “deixa que grite ainda que chore / essa vontade de vir maio / e sermos nós” (frag.49). A dor atravessa este livro, às vezes, apetece exorciza-la como se fosse uma flor, mas a poeta empresta outros aromas às suas raízes, mergulha na terra insubmissa e esconde os mistérios da casa, das paredes antigas, do pó a cobrir a pele.

Não é fácil entrar nesta casa vazia, nela persiste “a desilusão que não se plantou e se colheu” (frag.46), as aves predadoras mostram a força das asas, o céu é a pintura iluminada dos que perdem quase tudo, onde as portas são o muro. “A imensidão de coisa nenhuma” (frag.45) ocupa o vazio que os anos gastaram. Mas ainda é possível encontrar “os brinquedos do teu riso, estão guardados num caixote” (frag.45), que guardam esse instante das tuas mãos, a expressão do olhar, esse passado inspirador de Rosa. Quem quiser ler Filhos Duma Casa Vazia pode fazê-lo como uma anamnese projetiva e sentir a casa vazia dos filhos ou o seu contrário. Gostar da poesia de Rosa é acreditar que “não há chão bravio que não acolha a semente” (frag.1); a sua flor levantou-se do chão.

António Vilhena

 

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