Pulpitos da Vida...por assim dizer!
"...Ao fundo da sala trinavam guitarras e aqueles sons agudos enchiam-me a alma de curiosidade...era o tocar duma melodia nunca antes escutada pelos meus sentidos que tento sempre manter apurados para captar todos os momentos ao redor da minha vida. Parei, e ali estático senti algum receio de entrar por aquela porta de ombreiras de granito e estreita como se usavam em tempos d'outrora nas taberna da vida e do fado. O corredor da entrada era apertado e a luz que me iluminava o caminho eram velas suspensas em candelabros de ferro forjado que já pouco conseguiam suster o peso de tanta glicerina...cintilantes também eram o tocar dos copos de vidro que eram lavados numa pia em pedra de mármore com o correr da agua num fio duma torneira cheia de ferrugem, mas que servia na perfeição. Enchiam-se de vinho esses manelos à medida que o bacalhau acabava de sair do fogareiro bem junto ao balcão onde as pipas de madeira de carvalho eram a única decoração daquele lugar. Ainda anestesiado pelos sons de tudo aquilo, sentei-me sozinho num banco duma mesa coberta com uma toalha com motivos de encarnado vivo e um branco mortiço, e nem percebi sequer, que no palco se exibiam com soberba expressão corporal um par de bailarinos do mais puro rigor e elegância do flamenco andaluz. Amiúde pedi que me servissem, e sem dar por nada, aquela ceia era a minha única companhia dessas horas mortas que todas as noites têm...e à medida que eu observava o salero corporal daquela sevilhana, de traje apelativo, atraente e usando bijuterias e pulseiras douradas com uma flor no cabelo e castanholas nas mãos...percebi que eram dois puros sangue flamencos que eu estava ver, vivido em palcos distintos...o meu, banhado na minha mente, e o deles, regado de dor, perseguição e sofrimento, fortemente influenciados pela sua cultura mesclada de muitos pontos do mundo nómada...eram ciganos que aliviavam desta forma o espirito refletido na dança e na musica flamenca!...De seguida..."
Cascais 15/09/2015
José Mirador Santos
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