Volúpia Onírica

 

Volúpia Onírica

Português

Prólogo

Ando, deambulando, perdida nos trilhos

Ando, deambulando, perdida nos trilhos,

Pisando a calçada que fizemos unidos.

Não na esperança de te poder encontrar,

mas pelo conforto que me dá recordar…

 

Não ouso esperar intersectar o teu caminho.

Mas como eu queria o leme do destino,

Como anseio cruzar o teu olhar e firmar

Q’este aperto que trago no peito é também o teu maior pesar.

 

A paz dolosa própria da minha solidão

E o silêncio que é carência das tuas palavras

são bramidos que me estremecem o coração

e provocam a insónia em escarpadas fragas.

 

Queria tanto poder adormecer e sonhar contigo... sonhar, acordar e perceber...

que toda esta dor que me invade, não é realidade,

mas apenas o pesadelo que eu quero que acabe.

 

 

I

Sonho teu

A luz trepidante dos castiçais alenta a sala onde te encontro. O requintado mobiliário, estilo império, revela uma época napoleónica, onde a sumptuosidade é notória no cinzelado da madeira e luxurioso aveludado, verde musgo, do canapé onde repousas serenamente a ler. O teu vestido preto de tecido lavrado, torneado a cordões acetinados cor do sangue que a tua presença faz pulsar intensamente em mim, preconiza as formas do teu corpo. Sentes a minha presença, levantas os olhos do livro, e atentas em mim. Ao contrário da cor que te adorna, toda tu reflectes luz, e o teu olhar compete com a chama contumaz que consome o pavio, iluminando-me a alma. O teu sorriso, mistura de ingenuidade e volúpia, desvia-me a atenção da pele fina e macia dos teus seios, de alvura contrastante, delicadamente acomodados na negrura do corpete. Ninfa, em singular cenário, induzes-me libidinosamente e todo o meu corpo deseja tocar o teu. Ergues-te e fazes de mim o teu alvo, tiras a rosa vermelha que te prende o cabelo, cabelo longo, ondeante acobreado, aleatoriamente organizado sobre os teus ombros despidos. Libertas o teu aroma e impregnas-me os sentidos. A proximidade dos nossos corpos apraz-me… sinto o teu calor e a reciprocidade da vontade. Encostas-te a mim, sinto a pressão das tuas mãos no meu peito e a tua boca ávida tenta alcançar o meu ouvido para sussurrar docemente... acordo aturdido num repente… e fico na ilusão de saber o que a tua alma sente…   

 

II

O (a)mar mareado…

As ondas desmaiam no areal matizado de conchas vagas, como vão está agora o meu pensamento. A espuma, clara e leve, avança e recua em concertado bailado provido de um mar mareado, depois da tempestade. O ondular brilhante, iluminado por luar cevado sobre negrume salpicado, apaga o trilho por nós traçado, assinando a brevidade da nossa soberbosa simbiose. A leda brisa salgada parece querer aquietar o desespero e dor do náufrago em busca do seu porto seguro. O vento sopra mansidão e o som rouco do mar ecoa no meu coração a doçura de lembranças que desfazem em fumaça, inebriantes memórias onde a minha alma na tua enlaça. Com os pés imersos nas águas ondeantes, num fluir estonteante, sinto um mar de antagónicas sensações que me estimulam os sentidos; da vertigem saborosa que me impele para os teus braços à vulnerabilidade da contrastante e nauseante condição insular em que vivo. Taciturna e embriagada pelo aroma a maresia e por lúgubre melodia, dou o mergulho fatal e deixo-me naufragar nesta fantasia visceral.

 

III

Senescência

O tempo passa e, ironicamente sofro amarga metamorfose invertida… Contigo cotiei asas como borboleta venusta e voei livre e voluptuosamente em teu redor, rosa silvestre de perfume esculento, em fruir emancipado, em prazer sem peias. Estonteada com o passar das luas, em frustrada involução, perco as asas, sou agora, ninfa rastejante, humilhada, inaptente, sem horizonte, sem vontade. Estou condenada ao triste viver coarctado, sufocante e brumoso… Como queria ser livre novamente, misturar-me no teu odor, respirar-te, cercar-te… sentir-me por ti desejada, ser nascente de amor que não ousas parar de beber… Mas eu quis mais… quis agrilhoar-te a mim… a ti, alma errante, doce selvagem, predador veemente de terneza carente… percebo que temes que laços que nos enlaçam sejam prelúdio de asfixia de uma empenhada alforria… por isso foges, e deixas-me na tua bruma sombria, sozinha, sem ti… tolhida de corpo e mente, em amorfo blastema regressivo, prenúncio de anuncia necrotizante senescência - a morte.

 

IV

Hiato

Diz que me queres nos teus braços! Diz-me o quanto o desejas, o que te encanta… Explica-me o que sentes, o que sinto, o que nos trança. Diz o que queres de mim para ti, para nós, com aquelas palavras que ecoam na minha voz, no instante em que me inscreves sob a luz tímida dos astros. Diz que sou eu que te distrai e inspira, que te faz sonhar-nos…. depois… descreve-me essa imagem, a nossa enlevada fantasia, pixel a pixel. Não poupes nas palavras, dissipa-te em adjectivos e estilos linguísticos, faz-me naufragar em longas narrativas. E mostra-me, com ousadia (como fazes tão bem), como esta umbrática realidade se alicerça na cisão que nos extrema.

 

V

Insónia

O céu mesclado de nubícogo iodado e plácido luar, sustenta a noite fria e nimbosa, e persiste nas longas e mudas horas de insónia. O marulhar do silêncio e o estuoso pulsar do sangue nas minhas veias fazem-me agoniar... as memórias de outros sentidos causam inconciliável sensação de saudade e contrição, pelo que fiz ou por te deixar atentar em mim, pela pertença ou pelo que, em holocausto, deixei esvaecer... pelo sonho não realizado, por uma eternidade de ternuras prometidas ... pela cumplicidade corrompida... pela razão esquecida... Mas desta dicotomia, vaza o vazio e a dor grita e ecoa a tua ausência… Fui a tua estrela, o centro gravítico que te chama para mim... o mistério, o desafio, o teu encanto... e tão inopinadamente como surgiste no meu caminho, sulcas agora um abismo entre nós e queimas qualquer vestígio da nossa sublime ventura... estou infinita, sem princípio e sem fim... sem ti!... Pudesse eu aplacar docemente o teu peito... irromper por entre os teus medos e fazer-me desaguar em ti… sentir o calor do teu corpo no meu, hodiernamente entibiado e inerte como animal hibernado, sem prazo ou querer despertar... flutuo nas lembranças de inebriante fruir, de sincronia, melodia... de navegar em ti e nos teus olhos reconhecer o farol, prelúdio de abrigo seguro, onde me ancorava e me deixava deleitar pelas carícias de quem eternamente esperou por mim...

Submirjo agora na tetricidade e deixo-me sufocar pela saudade daquilo que contigo não vivi…

 

VI

Fim de tarde, sol e mar…

Antítese, o calor do sol no meu corpo e a frescura da brisa que me tempera a pele com aroma a mar. Os meus cabelos meneiam ao vento, em atmosfera salgada, reverberam tons acobreados sob os raios de sol que me dão cor, pondo trégua aos longos dias cinzentos do meu cogitar - momento de purificação. Fecho os olhos, apuram diferentes sentidos. Ouço o marulhar calmo que serena o meu peito. Ao som do crepitar da espuma das ondas que sucumbem no areal, organizo memórias, escolho lembranças; ecoam como as vagas num mar de sensações vividas, em vaivém inebriante. Sinto a areia e o sal na nudez dos meus pés, em toque lúbrico esfoliante. Expiro, purgo o ferimento icoroso, dorido. Inspiro a vida, ou a esperança… Cerzida em maresia, respiro liberdade, invoco a coragem para me sepultar e voltar a nascer.

 

 

Epílogo

Adormeço embalada pela saudade e desperto com a aquela luz, que nós tão bem conhecemos, a bater-me no rosto e a fazer -me viajar até ti... quero-te...

És a minha inspiração, fonte de volúpia, ilusão realizada...

O alvo da minha ternura-loucura... instrumento para a melodia que tenho em mim...

Somos barros que se moldam em perfeita sincronia... numa envolvência superior, perfeita, inteira...

... és o meu alvo,  és o meu estímulo,  és essência no meu existir...

 

Melody Lemniscate - In ‘Volúpia Onírica’ (4ml)

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