Amor é outra coisa.

 

Amor é outra coisa.

Português

Ao homem que sempre amei...

 

Amor é outra coisa. Amor é muito maior. E é ainda maior que isso.

 
Fui implicada na tua saída. Deixaste a mãe, mas também me deixaste a mim.

Pensei perder-te. Recalculei as minhas falas, os meus actos.Terei sido má filha?

 

Entendi um dia que não. Mas quando deixaste a mãe, deixaste-me a mim. Deixaste as promessas que ias aperecer, que gostavas de mim, que sentias a mesma falta de mim que eu de ti. Revoltei-me contra ti, sem sequer seres presente. Guardei uma mágoa todos estes anos por um pai que não parecia saber ser. Não és protagonista nas minhas memórias de infância, tão pouco de adolescente.

 

Depois de adulta já ignorava o facto de te ter perdido, nunca foste quem eu esperava que aparecesse à porta de casa todos os sábados, ou domingos, para me levar. Não foste um pai presente, nem ausente. Estiveste lá, mas pouco comigo ou para nós os dois. Mas, és o meu pai.

 

Consegui aceitar, ou melhor, mentalizar-me que não seriamos mais do que até então. Até um dia, de semana, em que me quiseste ver sem razão. Trazias um cara que poucas vezes te tinha visto carregar. Perguntei o que era. Tu disseste.

 

Não queria acreditar, não podia ser. De todas as vezes que te pensei perdido de mim, não estavas. Estava eu, agora. Só se perde quando acaba. Apesar de ter abafado o sentimento tantos anos, eu amava-te, como pensava, mas amava-te sem mágoa, agora. As lágrimas não paravam e, em vez de ser eu a consolar-te, fizeste-o tu a mim.

 

Um sentimento de culpa prendeu-se ao meu corpo. Como pude eu desistir de ti? Podia ter feito mais, podia ter-te obrigado a mostrar, da forma que eu queria ver, que me amavas. Como podia eu carregar uma mágoa tão grande contra o meu pai? Senti-me abandonada quando criança, pouco importante para ti, mas ainda hoje lamento não ter feito mais para ver o pai que vi neste último ano. Vi um homem forte, muito forte. Como eu nunca pensava conhecer.

 

Pai, percebi, desde aquele dia à porta de casa, que amar é outra coisa. Que o amor é maior que aquilo que conhecemos dele. Não te vou perder, não vou deixar que o cancro vença. Percebi-te forte e protector. Percebi um pai que esconde o tamanho do tumor que carrega para que os filhos não sofram mais. Percebi um homem que põe um sorriso, mesmo em sofrimento, para acalmar quem ama. Percebi que me amas e sempre amaste, percebi o pai que pensava ser só da minha imaginação infantil. Estavas aí.

 

O cancro uniu-nos e, agora sem cura, pode levar-te de mim.

 

Descobri que amar não passa por, sequer, tentar perceber as dores que tens, seria injusto. Amor é abraçar-te devagarinho para não te magoar, amor é mandar-te mensagens para não teres que falar, amor é ir ver-te todos os domingos, sabendo que estás à minha espera. Sorris. Amor é ter a absoluta certeza que, sem condições ou reservas, trocava de lugar contigo. Amor é lutar para ficar, amor é padecer sem mostrar e, ao mesmo tempo, poder descarregar em quem se ama de tantas dores já não aguentar. Os nossos amores estão cá para isso tudo. Eu para ti e tu para mim.

 

Uma história de amor assim vem em poucos livros, talvez em nenhum. Não se lê destes contos a crianças e os adultos só os conhecem quando são albarroados por eles. Hei-de ser tua filha mesmo que já não existamos.

 

Amor é, realmente, outra coisa. Amor é muito maior. E é ainda maior que isso. O resto são peanuts.

 

 

 

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