A(R)RISCA!

 

A(R)RISCA!

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Fora uma semana extenuante, marcada pelo desfile de dúvidas, um catálogo de medos, uma lista de “ses” perversos. Escutei e anotei tudo escrupulosamente, mantendo o profissionalismo a que tinha habituado os pacientes. Já distanciada o suficiente, reli os apontamentos e analisei-os, considerando o fim terapêutico destas consultas. Concluí, afinal, que havia semelhanças entre todos.

O Sr. P., por exemplo, sentia-se insuportavelmente pressionado desde que o chefe o tinha convidado a gerir o novo escritório da empresa, a três mil quilómetros, noutro país, noutra cultura. A decisão estava adiada há um mês, na expetativa da desistência ou do esquecimento, poupando-se à angústia da mudança, ao medo da responsabilidade. “E se voltar a convidar-me?”, perguntava ele.

                Já a jovem M. debatia-se com a aceitação da sua homossexualidade no seio da família conservadora, na sociedade escrava de preconceitos e na sua própria ideia de normalidade. Vivia à margem dela mesma, numa culpabilização sem tréguas, a respirar debaixo d’água sempre que se permitia exteriorizar emoções genuínas. “E se não me aceitarem?”, questionava ela.

A Sra. H., socialmente respeitada e profundamente infeliz, vinha experimentando um conflito interior causado pela retração do ímpeto sexual que o assédio do colega de trabalho lhe havia despertado. Habituara-se de tal forma à paz podre do casamento e à ausência confortável de emoções, que a invasão daquele formigueiro de excitação lhe trazia uma agonia de infratora, como se pensar e sentir constituíssem contra-ordenações muito graves. “E se não me controlar?”, indagava ela.

Também o casal S. trazia uma dúvida, uma “questão de vida ou de morte”, como lhe chamaram. A ela havia sido diagnosticado um cancro terminal acompanhado da sentença de um a três meses de vida, conforme reação aos tratamentos. A ele havia sido decretada a viuvez precoce, antecedida de calendário definido por médicos à revelia de qualquer plano divino. “E se vivêssemos como se não houvesse amanhã?”, interrogavam-se eles.

Duas semanas depois, voltei a recebê-los. Tinha igual resposta para todos, com palavras diferentes para cada um, salvaguardando o livre arbítrio e as consequências das escolhas individuais. Aconselhei o Sr. P. a saltar de paraquedas, a jovem M. a pintar o cabelo de laranja, a Sra. H. a aprender dança do varão e o casal S. a comprar uma autocaravana. Ofereci-lhes ainda um exemplar do meu último livro, Se não arriscares nada, arriscas muito mais, e pedi-lhes que arriscassem ser felizes.

 Daqui a quinze dias, haverá nova consulta.

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