Até já

 

Até já

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Cinco meses se passaram. Cinco longos meses de dor. Acordo todos os dias com a esperança de que fosse tudo um sonho, mas a realidade é outra, infelizmente. É uma realidade em que desapareceste cedo demais.

            Contudo, hoje é um dia especial – ou era, ainda não percebi bem - era o teu aniversário, que supostamente, devia ser cheio de alegria, sorrisos e barulho e claro, um bolo com todas as velas, uma por cada ano que completaste mas, em vez disso, tenho apenas a tristeza, o silêncio e a solidão como meus companheiros.

            As forças escapam-me entre as mãos à medida que as tento agarrar e levanto-me da cama; vou até à cozinha e pelo caminho paro, congelo. Pasmo a olhar para uma fotografia tua, aquela que está ali pendurada na parede. Sorrio ao mesmo tempo que as lágrimas começam a lavar-me o rosto a recordar aquele dia, aquele em que estávamos os dois naquele parque ao pé de casa, aquele onde tirámos esta fotografia.

Recordo com saudade todos os bons momentos que passámos, os teus sorrisos, até mesmo aqueles momentos em que ralhava contigo porque tinhas feito uma ou outra asneira.

Lembras-te das nossas aventuras no meio do mato em busca daquelas caixinhas escondidas nos mais escuros e difíceis recantos? Lembraste? O maldito do geochaching que te fez escorregar no meio do musgo e esfolar os joelhos? Lembraste do que te disse? “Isso já passa querida”, lembro-me do teu olhar cheio de lágrimas mas depressa te levantaste, sacudiste a poeira e seguimos em frente.

Ai como adoravas cantarolar e ir aos saltinhos todo o caminho até ao colégio, mesmo debaixo daquele sol infernal.  Chega de te olhar, esta dor abrasa-me a alma e continuo o meu caminho até à cozinha.

            Ao entrar, reparo numa caixa de leite achocolatado em cima da mesa, era o teu preferido não havia manhã nenhuma que não o bebesses. “Na te queças: agitar ant de utar”. De repente aquele sorriso que esboçava por recordar os bons momentos foge-me: “Oh querida, é agitar antes de usar que se diz. Ora repete comigo”. Mesmo sem dando conta murmurei estas palavras. Creio que mais alto do que pensava.

            A dor quer tomar conta do meu coração! Esforço-me para cessar as lágrimas, não as quero. Sinto raiva, raiva de não te ter conseguido salvar. “Porquê ela?” ai que como dava tudo para que tivesse ido no teu lugar. Ainda hoje não percebo porque teve que ser assim, porquê esta injustiça.

            Perco o controlo. A raiva e a dor são demais para mim e grito, esperneio e choro: “Porquê ela?! Porquê?!” – dou um murro tão forte que a caixa cai ao chão.

            O tempo passa velozmente enquanto a olho. Vejo o leite a derramar e desde logo que a minha mente é assaltada por recordações nossas, tudo o que vivemos.

            Afasto o olhar e vou para sala, sinto-me perdido e sem forças. Recosto-me no sofá e olho para a tua fotografia, pego na arma que tinha lá ao lado já preparada para este momento. Encosto o cano à têmpora esquerda, meu Deus como está gelado. Confesso que estou com receio, com medo até, mas é tudo para nos encontrarmos., não é?

“Até já filha” - e primo o gatilho.

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