A Cidade da Estrela

 

A Cidade da Estrela

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Era véspera de Natal. Tal como todos os anos, o Francisco ansiava pela meia-noite. Às doze badaladas era hora de abrir os presentes que se acumulavam debaixo da árvore. O pinheiro não tinha cheiro, mas a mãe tentava disfarçar com um daqueles aromatizadores comprados no supermercado. Ainda assim, continuava demasiado artificial.
O Francisco nunca percebera muito bem a preocupação da mãe com o pinheiro. Desde que se lembra, a árvore é a mesma que ano após ano é retirada do sótão para ser armada num canto da sala. Ela dizia que quando era pequena, os pinheiros vinham da floresta e não das fábricas, mas os homens deitaram abaixo todas as árvores e agora era com muito custo que se tentava recuperar o verde que rodeava a cidade.
Para o Francisco tudo isso eram ninharias. O que lhe interessava era mesmo abrir os presentes e envaidecer-se junto dos amigos. Tinha um quarto só para brinquedos e só a muito custo conseguiria arrumar os que iria ganhar nesse Natal.
Faltavam algumas horas para a meia-noite e o pai não tinha chegado ainda a casa. A mãe tentava esconder o nervosismo, mas o Francisco percebia que algo não estava bem. A mãe não largava o telemóvel e de instante a instante colocava-o ao ouvido, mas não devia estar ninguém do outro lado porque ela não falava.
Depois de algum tempo a andar de um lado para o outro da sala, pegou nos casacos de abafo, agarrou na mão do Francisco e dirigiram-se para o carro.
A noite estava muito fria e a neve era empurrada pelo limpa pára-brisas. O Francisco gostava de vê-la cair fofinha no chão e de fazer bolas para atirar aos amigos. Divertiam-se muito desta forma, mas quase sempre alguém acabava por se magoar e a brincadeira tinha de acabar.
Sentado na sua cadeirinha, o Francisco observava as pessoas na rua. Muitas entravam e saiam a correr das lojas com muitos sacos na mão. Outras tentavam meter a custo os embrulhos no porta-bagagem do carro.
Era Natal, mas eram poucos os que sorriam. Estavam tão atarefados e ocupados, que se esqueciam de que aquela era altura de festa. De repente, todos pareciam olhar para o mesmo lado. O Francisco não conseguia ver o que se passava. Nesse momento, a mãe parou o carro e saíram. A multidão concentrava-se no meio da estrada e era impossível continuar caminho.
Toda a gente estava estarrecida com aquilo que via. Olhavam para cima e quando o Francisco dirigiu o olhar lá para o alto percebeu o que estava a acontecer. Nunca a noite esteve tão brilhante. Uma estrela enorme, tão grande que quase se lhe podia tocar, irradiava no céu. Era tão brilhante que quase ofuscava. Inesperadamente, a estrela começou a movimentar-se e, quase que involuntariamente, as pessoas tentavam acompanhá-la. O Francisco e a mãe também. Percorreram a cidade de um lado ao outro, até que chegaram a uma pequena gruta. Lá dentro encontraram um grande lago que reflectia imagens de crianças, mas não eram crianças como o Francisco ou como os seus amigos. Estas crianças não tinham roupa, não tinham brinquedos e gritavam por comida. Pediam ajuda.
Sem que conseguisse controlar, pequenas lágrimas rolaram pela face do Francisco. Não imaginava que houvesse meninos que nada tinham. Como ele, outras crianças que olhavam as imagens choravam e os seus pais também.
De um instante para o outro, as imagens desapareceram. As pessoas começaram a sair uma a
uma da gruta e entre a multidão, o Francisco conseguiu descobrir o pai.
Naquele Natal, o Francisco não quis presentes. Trocou-os por roupa e alimentos para mandar para os meninos que nada tinham. Tal como o Francisco, todos os meninos da cidade quiseram ajudar. A iniciativa dos meninos da cidade da estrela tornou-se tão conhecida que os governantes de todo o mundo decidiram contribuir. E nesse Natal, todos os meninos, sem excepção, puderam ser felizes.

 

*Conto publicado no Suplemento de Natal do Diário de Notícias da Madeira, 25 de Dezembro de 2010.

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