Devaneios insanos

 

Devaneios insanos

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"- Já tomaste o comprimido hoje?", perguntou a preocupação do coração apertado da minha mãe transformada em voz estremecida
"- Já.", respondi entre tonturas, suores frios e afagos das cordas vocais de uma garganta seca enquanto tentava acalmar o meu exagerado e completamente desnecessário estado de pânico.
Deitei-me nos bancos de trás do carro e comecei a respirar profundamente enquanto olhava a janela onde passavam, como numa tela pintada sobre um céu cinzento, imagens aleatórias de postes de luz, árvores e casas. 
Que dor no peito era aquela que não sarava? E o meu Ser parecia estar em todo o lado menos em mim... Queria chorar mas não tinha força. Todo aquele pavor aterrorizante, aquele desespero de um cenário de morte sofrida tirava-me a força do corpo. Porque me sentia culpada? Nem queria ser vítima nem queria ser culpada. Se bem que eu acho que vai tudo dar ao mesmo. Tudo isso pesa e não apaixona. E eu gosto tanto de me apaixonar... E apaixono-me muito. Às vezes até por uma simples vela numa noite de escrita que ilumina no silêncio a folha de papel ou uma chávena de chá quente que me preenche o peito e me abraça o estômago. 
Queria apenas ser… Amor. Ser uma luz, mesmo que ainda pequena, mas ser uma luz… Uma luz carinhosa, amorosa, doce, delicada, gentil, sorridente, cuidadosa, pura, amável, verdadeira, alegre… Uma luz que transbordasse amor e harmonia e aquecesse a alma. Queria ser uma luz… E por um lado sentia que essa luz existia no meu coração mas logo eu a abandonava para mergulhar na escuridão emaranhada da minha mente confusa. Porque fazia isso? Seria masoquista? O que leva uma pessoa a abandonar uma luz aconchegante e preciosa para se entregar a uma mente escura que faz a alma sofrer e tira as forças do corpo? Não entendia… E pensava, pensava… Tentava obter respostas dentro de mim mas quanto mais procurava mais surgiam as perguntas: Gosto de sofrer? Tenho necessidade de sofrer? Para quê? Tenho medo de viver? De me entregar ao desconhecido? De ser leve e feliz? Por isso é que me agarro com tanta força à escuridão que já conheço? É isso? Estou mais cómoda no sofrimento? Mas porquê? Quem sou eu afinal? 
E todas as perguntas acabavam por ir bater à mesma: COMO POSSO SER TÃO IDIOTA?
É como se houvesse dois dentro de mim: Luz e escuridão. Masculino e feminino. Preto e branco. Mente e coração. Paz e guerra. Corpo e alma… Meu Deus, como sou esquisita...
Não posso ser mais simples? Menos dramática e mais leve? Simples! É na simplicidade que se expande a essência do Ser!
Às vezes penso porque penso tanto em mim… Não terei eu algo mais importante para pensar? Não que eu queira desprezar-me mas acho que estar tão centrada em mim própria e em todo o sofrimento que crio não é saudável. Há tanta coisa bonita para pensar… E ainda mais para sentir. A brisa fresca da manhã que nos acaricia o rosto, os raios de sol que aquecem a pele delicada, a maresia que respiramos e nos lava a alma, a presença de vida intensa que existe dentro de outros corpos… E a maneira com que transmitem a beleza da sua essência…. Sim… 
A presença de outras almas em outros corpos. Aquele toque único de exclusividade. 
Há tanta coisa bonita para pensar e para sentir… E só de imaginar já se curam as feridas. 
Tal como quando olho para esta janela vestida de cortinas brancas e tapa-sóis azuis-escuros que quando abertos me mostram o brilho do mar. Como é belo… 
Gosto de me perder nas mil melodias do conjunto de danças que os meus dedos desenham suavemente nas teclas do piano. Respiro e voo. E sonho… E levito.
Facilmente me disperso, facilmente navego para outra dimensão. Não sei porquê mas há vezes em que gostaria de estar mais presente aqui, sentir-me presente no corpo, integrada… Sentir o coração da terra quente a pulsar profundamente debaixo dos meus pés descalços. 
Quero ser pura… E digo isto já há uns bons anos. Aquela pureza angelical, leve, bonita e suave como uma pena branca, como um vestido de seda a cheirar a perfume e roupa lavada.
Cheguei à conclusão que afinal não tenho medo das pessoas nem dos lugares exteriores. Tenho medo de mim. Da maneira com que me abandono quando saio do meu refúgio e me relaciono com outro alguém para alem deste eu que paira em mim. E cada vez faz mais sentido tudo isto ser excesso de mente e de ego como dizem os anjos. Apenas há uma pequena diferença entre a maneira com que eles dizem e a maneira com que eu digo. Eles dizem com o amor incondicional presente nas palavras e sem qualquer tipo de julgamento e eu faço precisamente o contrário… Mais uma característica da excessiva posse do ego. 
Gosto das pessoas e gosto dos lugares. E gosto de gostar. Não sei que sabor teria a vida sem se amar as coisas e as pessoas… E os lugares…
As ruas da velha cidade fascinam-me a alma e o olhar. Os prédios antigos, as árvores caídas, o chão de pedras, o mar ao fundo, os carros que ao anoitecer voltam ao conforto do lar, as luzes dos postes das estradas que acendem na magia do crepúsculo… Sim… O crepúsculo. Para mim o crepúsculo e o amanhecer transbordam infinitamente magia cósmica. É como se de repente todo o universo nos oferecesse a abertura de um portal onde podemos (dependendo das escolhas de cada um) entrar, mergulhar na magia fascinante que lá existe e preencher todos os nossos corpos, todo o nosso Ser por ela. Como uma criança que pega espontaneamente em tintas coloridas e enche o corpo por uma explosão de arco-íris… Uma criança que mergulha as mãos e os braços nas cores vivas, cores lindas e felizes e logo, logo transforma um momento simples em uma realidade pintada de alegria. 
Talvez tudo dependa da imaginação… Talvez é a imaginação que nos liga à luz e às cores ou ao sofrimento e à escuridão… Depende… Dependo. 
A tristeza é relativa. Tanto vem da mente como do coração… E um coração magoado não surge de uma escolha de imaginação.
A não ser que tudo isto seja um sonho... E a morte seja apenas uma forma de acordar.

 

Laura Mendonça

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