Livros com vida

 

Livros com vida

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Livros com vida

Naquele fim de domingo à noite, regressei a casa muito cansada, depois de ir visitar a minha avó que vive bem longe, num lar de idosos.

A família há muito que partiu para a grande cidade e a minha avó continuou a viver na sua casa, mas a idade avançada requer cuidados e atenção e por isso, tal como a maioria deixou a sua casa e foi viver para um lar de idosos. 

Apesar de muito bem cuidada, senti que minha avó sentia muita solidão e por isso, prometi voltar mais vezes.

E voltei. Na vez seguinte, fiquei encantada. Ouvia-se na rua as conversas animadas e ouviam-se gargalhadas. Fiquei curiosa, entrei e fiquei maravilhada com que vi. Os idosos estavam todos muito bem dispostos e muito conversadores, imaginem, com livros.

Todos tinham por perto um livro que voava à sua volta, que folheava as páginas, cujas letras saltitavam e aumentavam de volume para que o idoso pudesse ler melhor. As personagens levantavam-se do papel e conversavam com eles, gesticulavam, sorriam, faziam caretas, enfim, tudo o que a escrita sugerisse.

Não era possível, mas eu estava a assistir a tudo aquilo, ninguém me contou, eu estava a ver com os meus próprios olhos.

Ao aproximar-me da minha avó, ficou feliz por me ver, mas não muito entusiasmada:

– Outra vez por aqui?! Ainda há pouco me visitaste.

– Não está feliz por me ver, avó?

– Claro que estou, mas agora estou aqui a conversar com o meu amigo, Zé Fernandes que me está a contar as aventuras do Jacinto, lá em Tormes.

– Ó Avó, esse é um livro de Eça de Queirós, chama-se “A cidade e as Serras”.

– Isso não me interessa nada, Tu não sabes o que eu me tenho rido a imaginar o Jacinto a dormir com a roupa da mulher do caseiro. Um rapaz fino que toda a vida viveu em Paris, vir parar ao meio de uma serra sem nenhuma bagagem, sem nada…Tu não imaginas…

Claro que eu imaginava, já tinha lido o livro. Nunca tinha pensado é que era possível que um livro ganhasse vida e pudesse conversar com alguém. Alguns idosos nem sabiam ler.

Uma funcionária explicou-me que os idosos se tinham reunido e pedido às fadas da imaginação da sua infância que lhe resolvessem o problema da solidão. E no dia seguinte, a seguir ao pequeno-almoço e, como por magia, os livros entraram a voar na sala de convívio e dirigiram-se aos idosos. A partir daquele dia, havia sempre uma grande animação naquele lar.

De repente, ouviu-se uma campainha que não parava de tocar… Que desilusão, pouco a pouco fui acordando e verificando que tudo não tinha passado de um sonho.

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