Maria do Mar

 

Maria do Mar

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Maria do Mar Maria do Mar veio na espuma de uma onda e chegou á borda de água, na praia onde tantas vezes vagueava sozinha nas areias brancas e desertas. A sua praia era a sua companhia, onde tinha sempre surpresas agradáveis, crianças que brincavam, ou pares de namorados que simplesmente caminhavam juntos de mão dada, ou ainda pais que se divertiam com os filhos a fazer castelos de areia. Debaixo de um sol brilhante ou de uma chuva persistente, Maria do Mar amava aquele local cheio de vida e de brilho. Mas um dia, apesar do sol luminoso descobriu um cantinho onde uma nuvem cinzenta teimava em permanecer. Aproximou-se lentamente e ouviu chorar. Alguém estava triste! A nuvem estava cada vez mais carregada. Foi encontrar uma menina sentada na areia com a cabeça entre os joelhos e nem o rosto se via. Ela andou à roda e tocou ao de leve, mas nada se mexeu. Voltou a tocar e de repente a menina levantou a cara e soltou um berro. - O que é que tu queres! Vai-te embora! Maria do Mar saltou para trás com o susto. Não estava à espera daquela explosão de raiva! Na sua praia não era permitido tristezas e zangas. Apenas alegria e dança. Ganhou coragem e voltou a abanar a menina desta vez com alguma força. E mais uma vez se ouviu uma voz zangada mas com o rosto escondido. - VAI-TE EMBORA! DEIXA-ME! Maria do Mar não se mexeu. Olhou novamente para ela e sentiu uma onda de amor a chegar à sua beira. Pensou: “Está mesmo muito zangada! Mas eu tenho de transformar esta nuvem quase negra numa nuvem branca e límpida como a espuma do mar.” Em silêncio, sentou-se ao lado da menina e deixou-se ficar sem se mexer, sem tocar sem falar. Apenas ficou e deixou-se estar. A menina sentiu a sua presença, mas não se moveu. No silêncio as suas almas estavam a conhecer-se. A certa altura a menina triste arriscou um olhar de soslaio, pelo canto do olho, para a rapariga que estava a seu lado. “É bonita!” – Pensou. Maria do Mar sabia que estava a ser observada mas manteve os olhos fixos no mar até sentir que podia retribuir o olhar. Viu um rosto duro e enrugado com as lágrimas a rolarem. Não disse nada. Apenas sorriu e a menina triste sorriu timidamente! Maria do Mar abriu mais o seu sorriso e a menina triste também. - Olá! Eu sou a Maria do Mar. A menina continuou a sorrir e respondeu. - Eu não sou ninguém. - Hã! Toda a gente é alguém! - Eu não! - Então o que és? - Não sei! Um farrapo de gente… - Boa! Pelo menos és alguma coisa. - Sou! - Um farrapo… como te classificas! - E achas que ISSO é ser alguma coisa? - Claro que sim! Foste tu que o disseste! E eu acredito. Não te conheço para afirmar o contrário. - Obrigadinha pela confirmação. - Disse com ironia! Não preciso que me confirmem o que eu sei que sou. - Sabes?! - Pausa Mas precisas que te digam o contrário daquilo que dizes que és… -…! O silêncio manteve-se por momentos, até que voltou a falar: - Sim… Acho que sim… - Achas que sim o quê? - Acho que a forma como eu me vejo, não é necessariamente a forma como os outros me vêm! - Não, não é. - Como é que tu me vês? - Apenas uma rapariga zangada com a vida. - Eu não estou zangada com a vida. A vida é que está zangada comigo! - E porque dizes isso! - Porque eu não tenho nada do que quero! - Ah! É importante para ti ter… - Claro que é importante ter... Quero ter um carro, quero ter uma casa, quero sair de casa dos meus pais, vivo num inferno de família…. - E se pensasses em Ser em vez de Ter. - Como? O que queres dizer com isso? Maria do Mar encheu-se de compaixão, abriu o seu sorriso mais luminoso e disse: - Querida companheira! Enquanto te considerares um “farrapo de gente”, a tua vida será “Um farrapo de vida”. Terás tudo em fanicos. É o que estás a pedir! - Não é nada! - Não!... O silêncio mais uma vez caiu entre as duas. Observando o mar ambas se recolheram nos seus pensamentos. Mas a menina triste parecia que estava a reflectir sobre o que ouvira e depois falou. - Será! - Será o quê…? - O que dizes faz algum sentido… - Andas à procura do Ter e a esquecer de Ser… - Pois mas eu não sei o que é Ser. O silêncio voltou a ouvir-se. - O que é que te apetece fazer aqui e agora neste instante? – Perguntou Maria do Mar - Dançar… - Então dança! - Aqui! Estás doida! - Sim. Aqui e agora… Levanta-te e dança! - És mais louca do que eu… - Porquê? Só porque faço o que me apetece no momento? - Não te vais pôr aqui a dançar, pois não. - É para já! E Maria do Mar dançou com todos os elementos que a envolviam. Os seus pés tocavam na areia, salpicados de espuma de mar os seus braços elevavam-se aos céus num rodopio harmonioso com o ar e o sol que aquecia a ponta dos dedos das suas mão. Deixou-se elevar e caiu aos pés da menina triste, que sorria maravilhada! As suas lágrimas tinham secado. - Ninguém viu o que estavas a fazer! - Mentira. Tu viste. - Sim, eu vi e gostei… - Mas não estavas aqui e agora, apenas a observar-me. Estavas mais atenta ao que os outros poderiam estar a ver ou a dizer. Vou-te contar um segredo: eu só sou visível para ti, porque só tu me podes ver. - Que parvoíce! - Pois… é a tua opinião.- Respondeu Maria do Mar encolhendo os ombros. Então, ainda te apetece dançar? - Sim. Muito. - Então dança! A menina triste levantou-se e começou a rodopiar sobre si mesma. Timidamente no inicio depois com mais força, com mais envolvimento, com mais harmonia, sempre mais, elevando-se intensamente no prazer de dançar ao som do mar e do seu coração. Ela saltava, rodava, abraçava e de repente parou extasiada no meio da areia. Alguém bateu palmas. Estava a ser observada e não era pela Maria do Mar. Alguém a vira a rodopiar sózinha na praia! Sentiu a raiva a subir á cabeça. Mas de repente já não era tão importante ser vista ou que a vissem a fazer uma brincadeira. Gostara do que fizera e sentia-se leve. O seu coração batia desalmadamente e sentia a felicidade a encher o seu peito. O seu rosto iluminou-se num sorriso. Quem estava ali a bater palmas era o seu namorado, com quem se tinha zangado há umas semanas. A última pessoa que ela queria ver e que a visse nesse momento. Maria do Mar viu que a nuvem cinzenta se dissipara e havia uma nuvem branca por cima da menina, agora alegre, que se dissipava no azul do céu. Menina olhou o horizonte e viu Maria do Mar a caminhar para a borda de água. Maria do Mar olhou para trás. A menina alegre acenava-lhe dizendo adeus e agradecendo a sua companhia. Maria do Mar sorriu e mergulhou nas ondas, o seu lar.

 

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