Mas que tolice a minha...

 

Mas que tolice a minha...

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Mas que tolice a minha de me pôr sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos.
Ora bolas... Não terei eu algo melhor para fazer?
O meu coração está sempre a bater como alguém que deseja abrir uma porta e entrar.
Se calhar quer abrir mesmo alguma porta mas como eu me ponho sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos, o meu coração dói e entristece.
Ora... Até eu me vou embora quando bato à porta e ninguém me dá troco!
Mas porque é que me ponho eu sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos?
Mesmo assim ele não pára de bater. Não desiste! Ele já veio preparado para a minha constante e persistente teimosia...
Depois... É o meu corpo a respirar. É tal e qual ao som das ondas do mar. Quando inspira, a onda é puxada para trás, e quando expira a onda rebenta.
Às vezes vem um grande tsunami... Tshshshshsh VRUUMPUMMM!!
Outras vezes vem com muitas pedras... Brumbrubrubrubrumm!
Ou até há vezes em que a onda enrola e sai toda atrapalhada...
E lá de tempos a tempos, quando o coração da Atlântida está calmo e sereno, a onda vem suave... Delicada... Quase nem se ouve, quase nem se sente... Ah...! Que paz!
Mas porque é que eu fui me pôr sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos?
Às vezes quando me levanto para andar pareço uma árvore... Não ando. Fico parada com uma expressão facial que não pinta alegria nas ruas da Vida e olho fixamente para um ponto qualquer (como por exemplo: uma maçã ou a parede, um aparelho ou até mesmo a cadeira da sala onde me sento a ouvir os meus pensamentos).
Fico ali... Com as minhas raízes bem enterradas e presas ao chão e os meus galhos tentam sacudir as folhas secas, preenchidas por uma divina cor de Outono.
Danço e voo ao sabor do vento mas os meus pés não se movem. Nada. Zero. Nicles. Niente.
Se há uma coisa que eu ainda não consegui perceber (para além do facto de ficar sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos) é a simples e completamente absurda mania que as pessoas têm de viver a correr exaustivamente atrás dos ponteiros do relógio.
"- Aiiii! Meu deus que já são dez e meia!!!"
E toda a gente começa a correr de um lado para o outro por serem dez e meia...
"- Aiii, já é meio dia!!"
E todos vão para os cafés e restaurantes empanturrar-se de comida e bebidas com gás.
"- Aiiiii! Já são duas da tarde!!!"
E levantam-se apressados e arregalados das cadeiras chatas e barulhentas, enchendo de stress o pobre estômago que está a começar a fazer a digestão da quantidade exagerada de comida que acabou de ser ingerida.
Pobre estômago... Tanto trabalha e se esforça e o que recebe em troca? Socos e bebidas com gás.
"- Aiii meu deus! Já são seis horas!!"
Arrumam as coisas, vão buscar os filhos à escola e jogam-se para dentro de casa.
Tic... Tac... Tic... Tac... Segunda, Terça, Quarta, Quinta...
"- AIIII! É SEXTA-FEIRAAAAAA!"
E pronto... O caos instala-se nas ruas. É o início da segunda guerra mundial.
Parece que o jardim zoológico foi aberto e todos os macacos (e alguns hipopótamos) se soltaram...
Lá vão eles todos eufóricos numa loucura que não lembra nem sequer ao menino Jesus, pela noite fora encher o mar maravilhoso do corpo que respira de líquidos e outras substâncias tóxicas.
Fecham violentamente a porta do coração e o cansativo barulho das músicas altas e das vozes que gritam palavras decoradas não os deixa ouvi-lo bater mais.
Sujam e intoxicam uma, duas, três... Mil vezes o mar do corpo que respira.
No dia seguinte levantam-se, mal dispostos e cansados e de olhos quase fechados tropeçam batendo com a cabeça na porta que tinham deixado fechada.
Irritam-se, aborrecem-se e vão até à praia.
Chegando à praia olham o mar e espantados reclamam:
"- O mar está todo sujo! Quem foi o animal que fez isto!? Cambada de monstros desumanos! Os peixes morrerão intoxicados por toda esta lixeira! Olha-me para isto... O mar está todo sujo!"...
E a tentativa falhada de se viver programado numa ideia de vida que não é real vai-se repetindo e aprofundando de geração em geração.
Pois é... A vida aqui é assim...
E no meio de tudo isto só há uma coisa que me faz confusão...:
Mas porque é que eu me ponho sentada na cadeira da sala a ouvir os meus pensamentos?

 

Laura Mendonça

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