O Homem que assobiava

 

O Homem que assobiava

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Sempre que chegava o inverno tudo se tornava mais pesado e as mais pequenas respostas escondiam-se nas sombras da ausência do sol.

Questionava-se sobre a possibilidade de renascer sem ter de carregar aquela cruz.

Ele, o homem que assobiava, regressava para aquela aldeia pacata pintada de branco e azul, em busca de silêncio. Era um dos poucos lugares que lhe trazia alguma paz.

Ele nascera com uma capacidade de ouvir o “barulho” das mentes das outras pessoas. No entanto, desconhecia ainda o que fazer com tais barulhos e, sem nunca os ter decifrado refugiava-se na música tentando navegar apenas na própria mente.

Existiam momentos que estes ruídos o contagiavam. Nestas alturas de contaminação sua cabeça zumbia, zumbia tanto, mas tanto que se tornava físico e real. O zumbido dava origem a um assobio involuntário percetível a qualquer ouvido.

Nem sempre era igual. A sua intensidade alterava conforme os barulhos fossem mais agudos, mais graves ou mais fortes de cada mente contagiadora.

Com o passar dos anos, o homem que assobiava, ganhou a dose de loucura necessária para saber lidar com as situações constrangedoras por desatar a assobiar em locais impróprios.

A ultima situação estranha tinha acontecido recentemente, no casamento de um dos seus amigos de infância.
No momento de entrada da noiva na igreja, o barulho da mente da noiva era tão atroz que o contagiou imediatamente, desatando a assobiar a marcha fúnebre sobrepondo-se ao som da marcha nupcial.

- Amigo, é mais forte que eu…já me conheces! Mas se isto é assim hoje, é melhor fugires! – Disse, encolhendo os ombros.

O noivo assustado, que confiava cegamente no seu amigo, voltou costas e fugiu deixando todos boquiabertos.

- É isto meus amigos! A noiva está demasiado confusa! Podem aproveitar e ir diretamente para o “Buffet” que a cerimónia terminou aqui. E enquanto percorria calmamente o corredor até a porta da igreja continuava a assobiar a marcha fúnebre.
...

Mas, nos últimos tempos algo diferente acontecia. Nascia um ruído perturbador, desta vez, na sua própria mente.

À medida que ia ouvindo músicas e mais músicas na tentativa de se desligar daquele barulho, apenas conseguia conectar-se com o seu pequeno demónio adormecido.

Ele, o homem que assobiava, queria acreditar em tudo o este pequeno demónio lhe dizia, mas continuava com a estranha sensação que estava em apuros, passando o dia entre os sussuros daquele ser de olhos vermelhos.

O homem que assobiava, enquanto a própria vida corria sobre ele, cansado de dançar às escuras aguardava pacientemente no silêncio pelo som definido daquele assobio interno.

***

Tempos depois…

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… o suor frio a escorrer pelas costas abaixo, o batimento acelerado do coração, o sonho de sempre, o medo…. Era um sonho dentro do sonho.
Já havia algum tempo que essa tormenta o aliviava. Naquele dia lembrou-se do tempo das noites mal passadas. Estava mais em paz consigo próprio por esta altura.
Havia-lhe sido permitido realizar alguns bons sonhos. Conseguiu viajar pelo mundo, conhecer novas culturas, novas pessoas. Viver e ser como elas! Momentos de felicidade!
Da terra distante chegou a receber notícias do seu amigo fugido. Não sabia grandes pormenores, mas constava que também era feliz.
A felicidade! Aquela busca incessante! Por vezes confundia se seria sonho ou realidade!
Os “barulhos” das mentes das outras pessoas eram agora sons cristalinos, músicas, que ele ouvia constantemente. Hoje em dia já conseguia ser indiferente ao pequeno demónio de olhos vermelhos. Porém, a inquietude tomava conta dos seus dias. Interrogava-se se haveria de continuar a conhecer mundo para continuar a conhecer-se, encontrar o seu propósito de vida.
Refletia dias a fio…. “Acorda, parece que passas a vida a sonhar”, diziam-lhe por vezes. Ele não respondia de imediato. Sorria e dizia “ um homem sem sonhos é um homem sem vida”.

A paixão podia ter ficado no tempo, mas a paixão pela vida alimentava-o. Dava valor às pequenas coisas da vida e sentia-se bem a sonhar.

Mas, naquele dia morno de primavera, parecia parado no tempo. Sentado com o sol a lamber-lhe as faces desconfiava que o seu interior andava a magicar algo. A letra da canção daquele grande artista volta e meia crescia-lhe dentro da cabeça “….a vontade de partir para outro lugar, a vontade de partir para outro lugar…..”. Fechou os olhos a olhar o sol e levantou-se…
Entrou no carro, ligou a sua música, a que o acompanhava para todo o lado. Seguiu em direção ao mar…

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Eva Vieira

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