O homem que não conheço

 

O homem que não conheço

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O homem que não conheço

 

As palavras são assim: secas, duras, pesadas ao encontro de quem as procura. Falo em palavras como poderia falar em chávenas de café acabadas de pedir, tirar, ou beber…falo em palavras! Falo em palavras como poderia falar em cinzeiros vazios, cheios…apagados! Falo em palavras porque elas nomeiam os objectos que compõem o mundo, e falo nos objectos porque eles compõem o mundo nomeado de que falo.

É como se tu entrasses naquele café, depois de teres percorrido a passo lento aquela interminável, fria e solitária rua, e soubesses quem irias lá encontrar… Na mesma mesa de sempre, com a roupa semelhante de sempre e aquele jeito de nómada seguro, de barba feita à pressa numa manhã que se avizinha sempre sorridente. Ele entra com aquele sorriso de quem julga o mundo perfeito. Pede o de sempre. Folhei-a o jornal. Pouco encontra que detenha a sua atenção. Bebe e come o que pediu, sempre da mesma forma, sempre do mesmo jeito! Desliza o olhar pelo espaço, fecha o jornal e puxa um cigarro, que à partida já está fumado. Continua a fazer de conta que o mundo acontece, sempre do mesmo jeito, sempre da mesma forma! Levanta-se, veste o casaco, tem dias, e sai para a rua, o dia começa então. Tudo isto numa calma aparente, numa perfeita comunhão com o seu redor. Contudo, brilha dentro da sua pele esse turbilhão inabalável de gestos de fúria, conquista e ambição por um novo dia cheio de desafios. Por vezes desafios fechados, por vezes desafios abertos…mas segue, continua o seu fervor de homem notoriamente bem sucedido! Nunca tive a oportunidade de, porque tudo é uma questão de oportunidade, lhe perguntar se é feliz, se não sofre de insónias, se não cruza os braços e chora, se tem medo, se os seus olhos têm medo do que vêem (porque é o mais importante. Observo-o a cada dia que passa sempre na esperança que ele deixe aberta, num curto deslize de percurso, uma porta para o seu outro lado, que julgo ser só ele o conhecedor. Tem sempre a mesma forma de desfazer o senhor que nele se encontra, sempre com aquele sorriso largo, de olhar de menino desbravador da tristeza.

E no fim do dia encontro-o no mesmo sitio, sentado da mesma forma, empenhado na busca do seu objectivo. Porém, não sei o que fez durante o dia todo e que a sua imagem fugiu da retina dos meus olhos! Os dias acumulam-se seguramente no mesmo gesto de insónia, no mesmo gesto de fuga…

Eu não sei quem ele é , ele não sabe quem eu sou, não sabe do que tenho medo, não sabe o que procuro…eu sei apenas que ele é aparentemente feliz!

 

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