Onde para a magia?

 

Onde para a magia?

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Onde para a Magia?

A Lu poderia ser uma criança igual a tantas outras, não fosse a sua capacidade de fazer perguntas sobre tudo o que a rodeia: porque é que as laranjas crescem nas árvores (e às vezes caem?!?!), porque é que os carros andam todos na mesma estrada e não se atropelam, porque é que as estrelas têm tanta força que nunca caem do céu, porque é que o sol não gosta de ser observado e faz doer os olhos, porque é que os gatos nunca caem de pernas para o ar, porque é que semearam as conchas na praia, porque é que se estende a roupa e não se estende a loiça, porque é que as nuvens parecem algodão doce, porque é que os sapatos andam nos pés, porque é que os apaixonados só sabem desenhar corações, porque é que a chuva cai em gotinhas,  porque é que o cabelo da professora José parece um cometa espetado em cima da cabeça, porque é que o Afonso é tão bonito, porquê, porquê, porquê…

A vida da Lu, com tantos porquês, não é mesmo nada fácil. Um dia destes, a avó Matilde contou-lhe a história mais bonita que já ouvira. A mais bonita de todas! Falava de meninos e de meninas como ela, falava da lua e das estrelas, falava de árvores e de cestos de fruta, do campo e de baloiços e falava de magia. MAGIA!

- Ohhh, que palavra tão bonita, pensou a Lu. Quando a ouviu, sentiu um quentinho na barriga.

Como era do seu feitio, perguntou à avó o que era a magia. A avó disse-lhe que, às vezes, era importante ouvir só. Que não devia perder tanto tempo a perguntar o porquê de tudo mas devia estar mais preocupada em sentir as coisas e, se assim o fizesse, iria descobrir em breve o que era a magia.

A Lu não ficou nada convencida. Tinha que descobrir o que era a magia e já! O problema é que ninguém crescido tinha já muita paciência para as suas perguntas e os menos crescidos não tinham respostas. A solução era investigar.

A Lu começou por elaborar um plano. A magia era uma coisa boa, tinha a certeza. Então tinha que procurá-la perto das pessoas felizes ou de coisas que fazem as pessoas felizes.

Decidiu começar pelo Sr. Januário que vendia peixe à mãe. Ele era sempre tão bem-disposto e tinha aquele sorriso cor de mel… Mas a sua resposta foi idêntica à da avó. Tinha que continuar a procurar. Procurou na biblioteca da escola, junto daqueles livros todos. Algum deles poderia ter as letras da magia M – A – G – I - A. Alguns eram tão difíceis de ler, mas não lhe parecia nada. Procurou no jardim, no quarto da mana, no sótão, na caixa das malhas da avó, nada! Procurou dentro do cesto do Malaquias. Ele nunca saía daquele cesto e tinha sempre um ar tão mimoso… nunca se sabe… Pegou no gato pelo rabo e examinou o cesto, nada. Procurou na panela do jantar, por baixo da televisão, na caixa do correio e nada.

Passou mais uma semana. Procurou em todos os sítios prováveis e até nos improváveis. A mãe já estava um pouco farta deste jogo que a avó tinha decidido fazer com a Lu. Tudo em casa era remexido e ficava fora do lugar, o Malaquias fugia de rabo no ar sempre que via a Lu chegar, a professora insistia que algo se passava com ela. Até que um dia, quando a mãe viu a Lu a ir para a escola de lupa na mão, chamou-a com o nome todo – L-u-a-n-a!!!!! A língua quase lhe saía da boca e a Lu percebeu que era altura de parar. Foi para o quarto e chorou três lágrimas. Nunca lhe tinha acontecido.

Entretanto, quando olhou lá para fora, algo lhe chamou a atenção. Aquilo era um arco-íris? Saiu para a varanda e sentou-se de rabo no chão. Ficou ali imóvel a observar o arco-íris. Porque é que tinha tantas cores? E porque é que aparecia e desaparecia de repente? Para onde ia quando não estava ali? Quem o trazia e quem o guardava depois? Quem eram os amigos do arco-íris? E os pais? Quem o abrigava da chuva?

Foi então que se lembrou novamente daquela palavra – a magia. Olhou novamente para o arco-íris. Era tão bonito estar ali. Lembrou-se do bolo de chocolate dos domingos à tarde, do cheiro de tinta fresca do portão da casa da avó Matilde, da camisola rosa de lã que usava nas noites mais frias, do gato Malaquias e do seu pelo amarelo tão fofinho, do desenho que o Afonso tinha feito para ela, das brincadeiras nos pomares da quinta nas férias grandes, da lareira da avó, das castanhas e das cerejas, e pensou que não precisava de encontrar a magia para estar feliz. Já tinha tudo. Ficou só ali a olhar para o arco-íris e resolveu esquecer a palavra que lhe martelava na cabeça, tinha dias. Mal ela sabia que já a havia encontrado. E, entretanto, o pôr-do-sol.

 

Rosa Aviador

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