Perto do infinito, longe do fim

 

Perto do infinito, longe do fim

Português

Fecha-se a porta, abre-se uma janela. Mentira, fecho a porta e nada acontece, a porta mantém-se fechada. A casa que habito nem janelas tem e fica situada bem no centro da cidade imaginária. Uma casa térrea com um pequeno terraço onde tranquilamente converso com as estrelas, existe também uma ponte que faz a ligação com as memórias já esquecidas de quem nunca conheci. Cega, uma ave sem nome aterra toscamente junto aos meus pés, carrega ás costas uma mensagem de quem não conheço: - " Espero por ti junto ao farol, até já".
O farol, esse, ainda não foi imaginado. Fecho os olhos e sigo passo a passo a luz intermitente de um farol recém-nascido, bem perto do deserto esquecido. Imagino a cidade onde nasci, ausente de pessoas, de animais, de cor. Apenas vultos e formas sem rosto, esfinges de um passado há muito posposto. A caminhada é lenta e longa, quase sem fim, perto do infinito diria eu se não estivesse mesmo a chegar. O farol, ainda agora nascera, criado na imaginação e já se apresentava com as cores esbatidas, tristes, abandonado por um tempo que evidentemente não viveu. Procuro por quem nunca vi, só me lembro de mim próprio, um rosto gasto reflectido nas águas de um rio seco, das estrelas e do sol. O sol, apenas por um momento, esplendoroso tentou com a sua luz iluminar a cidade e fazer resplandecer as cores ausentes de uma cidade a preto e branco. O amanhecer nunca chegou e ele partiu abraçado em si mesmo.
Em silêncio, pé ante pé entro no farol e subo uma escada em espiral, a meio, uma porta vermelha entreaberta deixa antever um pequeno quarto. A luz do farol, incansável, rasga o céu e por breves instantes ilumina o corpo de uma criança que dorme tranquilamente numa cama de ferro fundido. Ao seu lado um pequeno livro repousa, também ele adormecido. A capa de couro envelhecido tem no centro uma ave gravada a prata onde em relevo, na sua asa esquerda, se lê "Ad Infinitum". Silenciosamente sento-me na borda da cama e abro o livro, leio a história de um sonho inacabado onde eu sou o escrivão. Solto um suspiro, inaudível, mas detectável o suficiente para acordar os sonhos de uma criança que viaja sem armadura. A minha caneta falha, a criança abre lentamente os olhos e eu desapareço.

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