Uma de sete

 

Uma de sete

Português

Abre a porta! Quero sair! Quero ser como os outros que vagabundeiam pela noite, comem do lixo, saltam os muros e perseguem as fêmeas. Quero agilidade no andar e apertar o coração de quem me atravesso à frente. Sonho em assustar-me com gente e fugir de todos os cães.
Não me mimes, não me alimentes, não me tenhas como garantido sempre que entras em casa!
Sinto que paro, morro. Abafo neste calor. Já quase não me mexo de tanto mimo, nesta prisão dourada. Escorraça-me!
Chego a querer voar, subir ao telhado que me abrigou cada dia desta minha vida de sete que nunca mais termina. Dá-me o risco, o perigo, a oportunidade de morrer mais vezes. Quero um olho vazado e uma cicatriz na orelha. Quero miar a noite toda.
Liberta-me! Dá-me a rua e o frio da noite. A Lua atravessou a noite húmida, quero ir chorar com ela.
Abre aquela porta! Dá-me o meu destino!

Acordou suada, o cabelo colado ao rosto.
Levantou-se lentamente. Vestiu um casaco e sentiu a madeira quente do chão.
Encontrou-o na cozinha. Pousado sobre a mesa, olhava curioso a Lua que brilhava pelo vidro frio. Ao sentir a sua presença, desceu pesado para o chão. Roçou-lhe nos tornozelos e olhou-a com carinho.
Seguiu-a até à porta quando ela a abriu.
Já não és meu... ofereço-te a noite fria.
Ele aproximou-se da porta entreaberta, parou e viu que, afinal, o mundo não tinha tecto.
Olhou a rua, espantado – para um lado, para o outro... saiu.
Tinha terror na alma e maravilha no olhar quando ao ver a Lua redonda, deu dois passos e por fim brilhou.

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