Tenho um segredo!

 

Tenho um segredo!

Portuguese

Nunca se pode esconder um segredo! Os segredos são como pássaros de papel, fugindo à chuva e ao vento, desfeitos num compasso musical inusitado. 

Eu tinha um segredo. Não tinha só um...tinha muitos! Mas aquele era o segredo que manipulava literalmente a minha vida quando estava contigo. Escolhia as palavras, os gestos, os nossos temas de conversa, tudo para que não percebesses que esse segredo vivia em mim como um herói destroçado. Talvez se to tivesse contado logo, não teria vivido nesse turbilhão de receios constantes que desfez parte de mim mesma. A vida é curiosa! Tal como tu. 

Os nossos sorrisos entrelaçavam-se nos longos cafés matinais que disputávamos com o tempo que rareava entre a saída de casa e a entrada ao serviço. A linha do tempo era inversamente proporcional à intensidade dos momentos. Mas servíamo-nos do café, e um do outro, para fugir à vida. Eu mais do que tu. 

Num ou noutro momento tive vontade de te contar o meu segredo e pôr fim ao meu tormento. Cheguei a pensar que, afinal, sentir-me inconstante era o que alimentava a minha alma impura, e por isso fui adiando. Saciava-me de pensamentos paradoxais, do 'agora é que é' e do 'é melhor não'. Andava de um lado para o outro, hesitante, desconexa, provavelmente incoerente, aos teus olhos. Mas contar-te o meu segredo seria também  desvirtuar o que existia entre nós. Se é que existia. E isso eu não iria suportar. Preferia a omissão. Preferia o sofrimento. Ou o prazer de sofrer?

O meu pai ensinou-me a viver na dor. Explicou-me, um dia, que vivendo assim teríamos muito mais prazer ao experienciar as alegrias. Descobri que ele tinha razão quando deixei de poder beber café, por conselho do médico. Entrei quase em depressão. Disse mal da minha vida. Cheguei a amaldiçoar o meu pai. Mas um dia voltei a beber novamente, contigo. Tive tanto prazer em  beber café nesse dia que ainda hoje não sei se foi pela abstinência se por tua causa. E também não sei se não foi nesse dia que nasceu o meu segredo. Curiosamente. 

Os nossos sorrisos entrelaçavam-se –sim, já o disse- e as nossas palavras voavam por entre os pasteis de nata e as bolas de Berlim. A nossa conversa era fácil, saborosa, mas quase asséptica. Num ou noutro momento tive vontade de te abanar. Se há pessoas que parecem ausentes de vida, tu eras uma delas. Apesar dos teus sorrisos. Eram eles talvez a única âncora que te segurava. E eu nem sabia. 

Nunca se pode esconder um segredo! Não por ele ser um pássaro de papel, fugindo à chuva e ao vento, desfeito num compasso musical inusitado, mas porque, simplesmente, ele se torna incomportável com o passar dos dias, dos meses, dos anos! Nunca to contei. Agora, já não to posso contar. Talvez se o tivesse feito, ainda estivéssemos a partilhar sorrisos. 

Nunca se pode esconder um segredo! Não este. 

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