Sem título

 

Sem título

Portuguese

Finge que dormes doce princesa, de pensamento ancorado nas duras falanges do diabo.
Finge que dormes criança ponderada, no amparo do teu sorriso imaculado. Inocente esconderijo; cafeína a manter-te à superfície. Acordada; da incerteza que morde, dói, e mói, de tão difícil.Tens um anjo à tua guarda, e é ele quem te salva do passo em falso.
Zelo puro. Instinto fácil. Não adormeças, bela princesa, que este lago aparenta, mas
não é calmo. Não desvaneças desse sono torpor, que é vaidade a esconder-te a dor.
Acorda fulgente princesa, que há em ti muito mais credo que este horror. Acorda, por favor, que a vida e o mundo já não suportam o espaço lotado da tua ausência. Ou, se preferires, finge que dormes, breve criança, só até que a dor se canse e aborreça. Mas promete que acordas, depois, baleada de certeza. E, então, vê. Vê com olhos quase cegos de tanto olhar; vê com olhos certos de acreditar, e vê de perto. Olha de alto a baixo, do direito e também do avesso; repara, que, às vezes, a cara está por dentro.
E sossega, doce princesa. Podes fingir porque és poeta; podes ser má porque és criança.
E se todo o fim é também início, então, desperta e recomeça. Corre veloz, bela princesa,
que não há quem, por ti, corte a meta. Corre depressa, e acelera, que a fraqueza é cobarde, mas é esperta, passa o tempo todo à espreita. Capricha no feito, princesa, que
a vida é metabólica e reactiva; e o mundo cresce mais afoito sempre que ela te provoca e instiga. Ninguém sabe, senão eu, que estás acima dos homens,
e até do céu. Fada, diva, anjo, mulher; desarma misteriosa princesa. E quando, enfim, te sentires segura, então, acorda e, se puderes, pula. Desse sono que não é profundo,
desse sono que nem sequer é tudo. Emerge imponente princesa, tu inteira, febril criança.
E, mesmo que erres, sossega, que aqui não há castigo, nem guerra. É o diabo quem peca, perde o juízo e seca, imolado da loucura de te não ter. Triste, preterido, bruto,
entre a faca e o abismo escuro. Deita-se, depois, apoquentado, no fundo vale dos arrependidos. No fim, ganhas tu, etérea princesa, toda feita de amor contra o vazio,
toda tu poesia, luz, desafio. Pontual, perfeita. Estrela. Que só ele não viu.

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