Incursão

 

Incursão

Portuguese

Infância.

Esse luxuoso património disfarçado

de direito universal;

recreio sem portas onde

nem todas as crianças têm entrada.

Adultos congénitos, crescidos da

expropriação da promessa.

Quem por eles exclama 

quando a lança lhes furta 

o primor do capítulo primeiro,

como se reconstrói, inteira,

a criança que se não foi,

o riso que já desabrochou dor

e os sonhos desfeitos 

antes do adormecer. 

Dormirão as crianças 

que não o são? 

Existirá um ínfimo laivo de luz

a esperançar as copiosas 

e lúcidas manhãs assombradas, 

as histórias de príncipes e fadas 

que no intervalo instituído pelo esgotamento

se fazem escutar em surdina, contadas por

lábios das mães de outros.

De que se faz uma criança 

senão de encantamento;

e o que resta, afinal, depois 

desse corpo pequenino 

sumido de morte e frio, 

mar imenso de conformado vazio, 

espera circunferencial em busca

de alento.

Rebentação imperceptível 

contra os ventres das mães que não existem.

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