Jorge Santos (textos de viagem) Pedrogão / Chaves em Bicicleta

 

Jorge Santos (textos de viagem) Pedrogão / Chaves em Bicicleta

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Fiz um telefonema para a empresa de transportes  “ expressos” reservando lugar (reserva 518021) e a confirmar se aceitavam o transporte da minha bicicleta para Pedrogão Grande, a localidade mais próxima de Alvares e do km 300 , onde tinha parado na última etapa do percurso pela Nacional 2, Faro - Chaves.

A resposta foi afirmativa embora na parede da estação de autocarros de Sete Rios, em Lisboa, estar escrito em letras vermelhas “É proibido o transporte de bicicletas”. Apesar disso, fui bem-vindo a bordo do autocarro da empresa de Expressos com destino a Pedrogão Grande.Arrumada a bicicleta - previamente desmontada, -  no porão , eis-me de partida no fim de da tarde, às 19.00 horas de quinta-feira  21 de Abril de 2011, entre chuva e trovoada.

Chegado a Pedrogão, pedi mais uma vez permissão, como fiz ao longo de todo o percurso, para pernoitar no quartel dos Bombeiros Voluntários.  Receberam-me admiravelmente no grande salão de festas. Na rua, uma chuva miudinha ameaçava já a progressão do dia seguinte. Acordaria pelas 5 da manhã com a vontade de enfrentar todas as intempéries para  chegar o mais próximo possível de Chaves.

Estava já muito longe de casa e já não me era familiar esta paisagem rústica de montanha xistosa, da mesma cor do céu, ameaçandotrovoada.

Desconheço quantos quilómetros pedalei até Castro D’aire, (nestas últimas etapas totalizei 331.60 km) estava tremendo de frio, e mais uma vez , os providenciais bombeiros serviram de abrigo na noite de Sexta Feira Santa para sábado, 22/23 de Abril. Sem eles não teria conseguido. Tenho de prestar aqui homenagem a esta gente que abnegadamente presta serviço às populações envelhecidas das regiões interiores de Portugal , e a quem sinceramente agradeço o abrigo que me deram durante esta e outras jornadas. Bem hajam, Bombeiros de Portugal.

Pela primeira vez no dia, já em Castro D’aire, ingiro uma refeição quente, a primeira desde que saí de casa em Setúbal, pois estava apenas com o pequeno-almoço desde Pedrógão. Bem necessitando me sentia  agora, depois de um banho quente. 

 

Após um dia extenuante, do ponto de vista físico e psicológico, a chuva constante desgasta e corrói-nos por dentro nestas situações extremas, principalmente quando estamos sozinhos.

O sábado começou bem , estando um lindo sol . A saída desta localidade(assim como de muitas outras) foi confusa, por não estar bem sinalizada. Dá-se muita atenção, não sei se ingenuamente, às placas sinalizandoAEs e IP’s e esquece-se de uma forma sistemática os itinerários nacionais e regionais, como por exemplo esta estrada Nacional 2, que liga as pequenas vilas e cidades. Desconfio muito desta falta de sinalização, que acontece até nas grandes cidades como Coimbra e outras, e que levam os utentes das estradas a pagar tarifas de portagens de valores absurdos por quilómetros, que poderiam ser feitos em percursos bem mais baratos e cénicos.

Ao descer os quase vinte Km’s até Lamego e Peso da Régua,  o meu sorriso aumentava. O Porto de honra bebido á saída da Régua ajudou nas pequenas subidas que se sucederam até Penaguião e Vila Real. Não poderia adivinhar o que aconteceria  ao fim de tarde nesta mesma cidade.

À laia de comemoração, almocei no restaurante “Passos Perdidos” em Vilarinho de Samardã um grande naco de carne de vaca Mirandesa. Ali pedi para consultarem na Internet o horário do autocarro de Chaves para Lisboa, descobrindo como tinha sido precipitada a minha celebração: iria perder o último transporte de regresso para Lisboa. Iniciava-se então uma viajem em contra-mão que me iria conduzir ao dissabor e mesmo ao hospital.

Tenho uma questão positiva a salientar no trabalho destas autarquias para lá do Marão:  A recuperação das antigas vias-férreas de toda a zona, que possibilitarão futuramente a deslocação de peões e ciclistas desde Vila Real a Chaves, e Verin em Espanha. É muito importante possibilitar e defender o uso de bicicleta por todos os motivos imagináveis, e não o oposto, respeitando os ciclistas e caminhantes qualquer que seja o seu aspecto - ou distância que a que estejam de casa, - como cidadãos plenos de direitos, e não como indesejáveis apenas porque consomem menos do que os turistas “normalizados”.

Apesar do Autocarro da Rodonorte passar para Lisboa vindo na minha direcção, não o poderia apanhar, pois tinha de fotografar o marco "km 0" em Chaves. E assim foi.

Depois, quase sem parar, tomei o Autocarro da empresa Alto Tâmega que me levou a Vila Real. Tenho de agradecer a esta empresa que não pôs em questão o transporte da bicicleta, e ao atencioso motorista que saiu no sábado, dia 23 de Abril, às 17.00 horas, em Direcção a Peso da Régua, e que assistiu aos infelizes acontecimentos que se seguiram em Vila Real.

  Chegado a Vila Real, dirigi-me ao escritório de venda de bilhetes da mesma empresa de expressos que me tinha transportado para Pedrógão Grande, . Pedi um bilhete para Lisboa. Disse o funcionário que não me vendia o bilhete porque transporto uma bicicleta e é proibido o transporte de bicicletas. Que falasse com o motorista, disse-me. Perguntei ao motorista e este deu-me a mesma resposta lacónica: «não transportamos bicicletas». Assim, perguntei porque razão me tinham transportado para o Norte e não me transportavam para o Sul. Respondeu-me que, se a bicicleta estivesse acondicionada dentro de uma caixa, poderia transportá-la.  (Se soubesse, já o teria feito. Ou, se na ida tivesse sido avisado, para o fazer, teria sido fácil pedir papelão e fita adesiva em qualquer loja).  Não compreendi porque razão na ida para Pedrógão apenas tive de desmontar as rodas e aqui mudavam as regras. Instado pelos passageiros, taxistas presentes e transeuntes, fui pedir na bilheteira o livro de reclamações. Respondeu-me o funcionário,com maus modos e começando a fechar as portas da loja: «Não tenho que lhe dar o livro de reclamações porque não lhe vendi nada». Ao insistir na minha justa reclamação, ataca-me covardemente de surpresa. Como eu não esperava esta reacção, atingiu-me sem me poder defender, com dois murros com bastante força nas costelas flutuantes do lado direito. Nessa altura, não me dei conta da gravidade da situação pois estava ainda quente. Pensei imediatamente que este senhor tinha perdido a razão e não valia a pena responder da mesma forma.

Assim,pus-me a caminho de uma outra empresa de transportes do norte. Para chegar ao escritório, tinha de subir umas escadas exteriores com a bicicleta desmontada nos dois braços e com a minha inseparável mochila nas costas. Talvez por isso  mesmo tenha parado de respirar e caído no chão ao cimo das escadas, frente a uma churrasqueira. As pessoas na rua chamaram uma ambulância, que me transportou para o hospital (a bicicleta ficou na churrasqueira). 

No Hospital esperava-me um policia: Este perguntou aos socorristas se seria eu um suposto ciclista alcoolizado ou drogado que teria tentado agredir ou quiçá assaltar o dito bilheteiro (o médico refuta  isso  no relatório  e em relação ao meu estado lúcido).

Felizmente os socorristas disseram que não era eu, e de qualquer forma não quero mal contra um indivíduo de maus princípios e baixo nível.Não estou ao nível dele e não desejo deslocar-me a um tribunal a 600 km de casa. Apenas quero que futuramente estas empresas tenham uma postura mais consentânea e honesta em relação às bicicletas ou ciclistas, porque como eu outros  utilizam a bicicleta em grandes deslocações.

Já em casa e em telefonema para a empresa de Expressos, perguntei a razão de não transportarem bicicletas. Deram-me a esfarrapada razão destas estragarem as bagagens dos outros passageiros. Precisam sem dúvida de mais imaginação. Perguntei também qual a diferença entre a linha de Pedrógão e outras linhas e responderam que normalmente o autocarro para Pedrógão vai vazio.(resta dizer que reservei o bilhete  por telefone),Sendo assim,  terei de escolher talvez percursos onde o autocarro vá vazio...Perguntei ainda o que iriam fazer sobre este caso, e a resposta foi concisa: «Vamos manter esse senhor sob vigilância.» Resta dizer que, para apresentar queixa de agressão na Polícia tem de se pagar a quantia de cem euros. Por isso fiquei por aqui.

 

Farto desta Cidade de Vila Real, tomei um táxi que me levou à estação de Peso da Régua, para tomar o comboio para a cidade do Porto e depois outro para Lisboa.

 

 "Portugal no seu melhor."

 

Resta-me o orgulho pessoal  de ter completado o percurso da maior estrada do país, a Nacional 2.

É tempo de pensar no próximo projecto: “A rota da seda em bicicleta” ,por áreas menos perigosas do planeta, de Xi’an a Istambul…

 

Jorge Santos (04/2011)

http://namastibetphoto.blogspot.com

 

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