Prosemas

 

Prosemas

Português

Amamos o que nos roça a pele
e nos inquieta a serenidade.

Amamos o corpo que palpita sujeito às ondas,
a imagem vertiginosa que navega errática.

Amamos a embriaguez que nos corre nas veias
que acende o ânimo,
que nos esmaga e penetra no âmago.

Inventamos a lua,
o mar salgado
e as intempéries.

Duramos,
veladamente,
até que o sono de nós se apodere
e coisas nasçam de ti.

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Pedido

Esfiapa-me o corpo com mãos flutuantes,
acorda-me lentamente como se regressasses de uma longínqua viagem,
como se os dias se fossem sumindo 
e a minha necessidade de ti fosse a de uma cascata por água.
Por que não habitas o meu corpo deserto,
sedento de cultivo,
ansioso por um hectare de malvas silvestres?
Pudesses tu viver comigo,
consciente de poder percorrer a terra remexida pela força do arado.
É tarde já,
envelheço à espera que pernoites em mim,
pressinto o cansaço que me confunde e tudo me parece absurdo.
Quem me dera poder encerrar-te do lado de dentro do meu coração
para não ter apenas que guardar o sabor do murmúrio do teu nome.

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 Sinto a tua presença,
consigo adivinhar-te de olhos fechados,
perceber cada linha, cada ruga,
o corpo que se move por entre os ossos
sentado no silêncio que queima.
Penso em ti
e nas águas que nos ligam quando a luz humilde entra pela janela.
Penso em ti como quem acena em sinal de despedida
e sinto-me indefeso, frágil, doméstico.
Penso em ti e sou só isto
e menos do que isto na tua ausência.

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É a minha pele que encolhe quando adoeço,
quando orgulhosamente me perco no chamamento confuso do mar,
quando vagueio sinistramente noite adentro,
com a alma esgotada
e os sonhos naufragados.
Tudo em mim escurece,
é como um vidro embaciado que me sinto,
inócuo, quebradiço.
Deixem-me apanhar um navio que me leve para longe do cais,
que me afaste do luar que molha a terra
e da melopeia triste que ecoa dentro de mim.
Que ingratidão é o abandono fácil do presente
rumo ao passado sem vertigem.

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Se o encontrares por aí,
perdido nas dobras das esquinas,
diz-lhe que continuo à espera.
Espero pelo tempo em que me puxava para dentro dos seus olhos,
pelo tempo em que remávamos contra a maré oscilante,
pelo tempo em que o prazer inconsequente era regozijo.
Diz-lhe, se o encontrares,
que ainda espero,
desassossegada,
por um último êxtase de sabores.

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Acordo e tu não estás,
não está o limite do teu corpo no meu tálamo,
não está o contorno do teu rosto na almofada onde dormes,
não estás tu.
Está apenas o vazio que deixaste,
o aroma que se libertou da tua pele de encontro aos lençóis,
estão as rugas imprimidas à força de os apertares,
de me apertares.
É assim que amanheço,
com o rosto azulado da noite
e os olhos abertos.
Quero ouvir os pássaros para que me digam de ti.

Ana Cristina Tomé

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