Regresso

 

Regresso

Português

Ando fugida de mim mesma. 

Parei nas escadas do meu sentir 
e não encontro o degrau 
que me faça descer aos abismos 
que moram em mim. 

Mergulharei as mãos 
nos seus ribeiros 
e verei as palavras 
a pingarem-me dos dedos. 

É no poço mais profundo 
que sei quem sou. 
É da cova mais funda 
que toco o céu. 
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Alimento-me de almas!

Nutrem-me as paixões alheias,
os sonhos imaginados por outrem
e os segredos calcados na pele...

O júbilo em revelar
e a satisfação do descobrir
iluminam os cristais dos meus sentidos!

Bordo o meu peito
com as cores da partilha.
Medito, consumo, recolho
numa voraz e eterna absorção!

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Quero viver de todos os ângulos!
Quero beber desta existência,
que preenche e arranca.
Quero gozar a vida e beijá-la na boca.
Viver é o vício que me corta
e nesses lanhos fundos,
escorre-me o sangue da insatisfação...
Quero transbordar!
Quero ser irmã da noite e filha da natureza.
Quero sugar as madrugadas
e ter a aurora na garganta.
Dói-me esta vontade, sentida e calcada.
Porque provar água da vida
É provar água salgada.
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Mastigo o deserto instalado em mim,
sem a frescura das flores para saborear.

O instinto calou-se,
falha-me o conhecimento
e adormece-me a vontade...

Preciso que o tempo
carregue nas suas asas a tristeza...
Preciso ir buscar à luz do universo
as tintas para pintar o meu olhar...

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Ajoelho-me no altar das palavras
e presto-lhes culto sagrado.

Quando a noite se prende
nas rendas do meu ser
ouço o escuro e o silêncio pega-me as mãos
que se enchem com o nada dos dias.

Ao toque das sílabas
dá-se em mim o estalar dos sentidos,
rebenta-me o peito em interrogações,
explode-se-me o corpo para fora de mim.

Depois vou juntando as peças, 
demoro-me neste sossego lânguido
no erguer das raizes da alma.
Por fim, descubro o suspiro que me inventa.

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O fogo foi morrendo.
Das labaredas, restam as brasas mornas
sem vida...

Guardei o mundo
tão bem arrumado para não o perder
e agora não sei onde o pus...

Em que rua mora a poesia
para lhe ir tocar à porta?
Em que horizonte se deita o Universo
para o poder contemplar?

Preciso de um regresso.
A quê?

A mim.

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