OS ETERNOS PORQUÊS

 

OS ETERNOS PORQUÊS

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OS ETERNOS PORQUÊS

“A mamã e o papá não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito anos, ela dezasseis e eu três.”

Hoje, volvidos 20 anos, o porquê deste comportamento continua a martelar-me a mente. Porque é que duas crianças inconsequentes, geram uma criança e apenas casam três anos depois? Questões legais? Os pais não autorizavam?

Não me conformava; eu tinha perdido o chão do meu caminho quando fiquei sem eles. A sua infantilidade não lhes permitiu assumir a vida a dois, as obrigações que um casamento acarreta, nem tão pouco conseguir acabar de criar um filho.

Foram os meus avós que – embora contrariados –, tomaram conta de mim e, durante algum tempo, também deles.

Depois “evaporaram-se”, tal como a água se vai evaporando quando ferve. Naquela altura – ainda era demasiado pequeno para compreender a sua ausência –, foi-me indiferente (confesso).

Por fim consegui a coragem suficiente para questionar a minha avó. Ela sempre fora mais aberta comigo, apesar do seu rosto marcado pelos desgostos e pelo tempo.

– Sabes, meu filho (era sempre assim que me tratava), que esse assunto foi sempre “tabu” cá em casa. Ainda bem que o teu avô não está. Mas chegou – de facto -, a hora de saberes a verdade. Os teus pais eram demasiado mimados; tinham tudo o que queriam e, talvez por isso, acabaram por enveredar pelo caminho da perdição: a droga – uns loucos. Nunca mais soubemos nada deles. Tentámos averiguar. Comunicámos à polícia, na época, mas nunca mais foram descobertos. Devem ter ido para outras paragens e a maldita cocaína deve ter dado cabo deles. Ou, eventualmente, a “gang” que controla essa maldita droga quando eles deixaram de lhes ser úteis.

– Gostava de poder ter notícias que não te magoassem, ou te fizessem ficar a remoer esses malditos porquês. Mas agora já sabes: és filho da droga.

Fiquei aterrado, mas não surpreendido com a confidência. A minha intuição já me “prevenira” de que algo de ruim devia ter acontecido.

A ingenuidade tem esses inconvenientes, como a atracão sexual prematura; a falta de informação leva a desgraças inacreditáveis que só quem passa por elas pode realmente avaliar.

A avó acabou por me explicar também que, naquela altura, não era consentido o casamento entre menores e tinham tido que esperar que a minha mãe tivesse os dezasseis anos para legalizarem a situação.

Acabaram-se os meus porquês. Obrigado, avó.

Beijei-a e parti.

 

NATÁLIA VALE

 

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