Senti Que Não Sentias

 

Senti Que Não Sentias

Português

Sabes, para um bom livro ser isso mesmo – bom – todas as páginas contam. Afinal, o que seria um livro se a meio houvesse falhas e rupturas nos pensamentos? Depois apercebo-me: esse livro, com abruptas quebras e falhas de ligações, seria o meu tipo de livro.

E eu sei disso.

Meu amor, perdias minutos preciosos ao focar-te em meros detalhes (que não são tão relevantes assim) num livro tão meu mas que eu queria tornar tão nosso. A tua procura pelo ínfimo pormenor prende-te e ocupa os teus pensamentos e passas tanto tempo a analisar o livro que não vives a sua história em pleno.
Nunca te adaptaste ao formato peculiar do meu livro.
Sabes que a minha parte favorita sempre foi o fim, que em momentos de ansiedade e tensão, tenho tendência a dar uma espreitadela, mas apenas o suficiente para me dar as poucas certezas de que preciso para, assim, continuar a história.
Não gosto de surpresas finais esmagadoras , sabes o efeito que têm em mim. Preciso de ter a mínima certeza de que vou sobreviver no fim da história. Tanto eu, como a outra metade: a outra personagem que no meu livro eternamente reside e que vai sempre fazer parte do meu enredo que, mais uma vez, queria que fosse o nosso.

Estabilizámos. Ou assim pensava eu.

Perguntei-me quero isto? Acreditas que a resposta foi quase como um grito, que despoletava do meu peito após uma grande reflexão sobre tudo o que já passamos? Um grito que trazia consigo um sim tão seguro de tudo.

Mas, de alguma forma, o enredo sofreu uma reviravolta, que destruiu tudo tão facilmente como se de um castelo de cartas se tratasse.
Resta a nostalgia do que fomos e do que podíamos ter sido. Não parece haver retorno, e sinto falta do teu sorriso.

Quero a nossa solidão conjunta.

Quero conhecer-te mais uma vez, inverter as páginas, ter mais uma oportunidade para fazermos tudo outrora não conseguido. Ter a hipótese de te conhecer de novo, sentir novamente o que senti naquele dia em que começas-te a fazer parte do meu enredo, detectar em ti outra vez cada pormenor que me cativou e descobrir em ti outra vez os caminhos da tua personalidade que, para mim, era tão cativante e me dava tanta vida.E tu? A maneira como me olhavas derretia-me… mas já não me olhas assim. Será que és capaz de te voltar a apaixonar? Sei que sou difícil de amar, uma complexidade de pensamentos e emoções mas…não eras capaz?

Raios partam a todas essas histórias perfeitas que por aí circulam e nos iludem. Histórias pré-fabricadas, antecipadas e cuidadosamente planeadas num guião.
Era o que nos tentavas fazer sabias? Planear a nossa história, escreve-la como se de um guião se tratasse. Mas eu nunca o segui porque o meu livro vai-se escrevendo na hora e é isso que me aterroriza e que não parecias compreender em mim: o meu livro não tem fimEu não tenho as certezas que preciso. E tu não mas soubeste dar.
Raios partam tudo, especialmente a mim.

Não sabes como a minha cabeça tem andado meu amor. Está a abarrotar de memórias, pensamentos e desejos de que voltes a entrar em cena. Amaldiçoo-me pela minha complexidade e pelo livro com páginas em falta, porque foi isso que te assustou, não foi? Senão, não sei. Ou talvez saiba. Demasiadas perguntas e incertezas num mar de pensamentos agora tão desorganizado e confuso.

Mas tenho a vontade de viver de antes. E de ti? Continuo apenas a receber suspiros? Ou vais esquecer os detalhes, atirar-te de cabeça, e viver esta história comigo?

Porque não quero que isto nos passe. Não lhe quero dar um fim – e tu sabes como eu os adoro – mas sim uma continuidade calma em que me dês certezas a cada página.
Raios partam a nós por aquilo que fizemos connosco.

Mas eu espero.
Ou não. Nunca fui de esperar muito, tu sabes. Talvez pegue nas rédeas do enredo e volte a ti. Não quero esperar, esperar demora, e não quero demorar mais um nós porque, nunca to disse, mas tenho saudades tuas.
No entanto, talvez o faça agora.

Raios partam a tudo, incluindo a nós, que esperamos tanto tempo.

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