Talvez o fim, ou não.

 

Talvez o fim, ou não.

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Talvez o fim, ou não.

Poderia ser um belo passeio, quiçá, num domingo à tarde onde se encontravam os amigos de longa data e bebiam umas cervejas com uns belos tremoços. Mas não. Foi mais que isso. Foi algo inesquecível. Mas algo mau.
Acho até que o maior pesadelo aconteceu nesse mesmo domingo.
Acordar com barulhos estranhos, descer as escadas e deparar-me com chamas. Tratava-se de fogo! Fogo? Na minha casa? Não pode ser possível! Na casa onde vivi todos os anos da minha vida, na casa onde cresci, errei e aprendi, na casa onde vivem os meus pais, onde me transmitiram os bons valores e alertaram dos maus caminhos, na casa onde tenho o melhor acordar e o melhor adormecer, na casa onde sempre dei as maiores gargalhadas e onde já tive os maiores choros, na casa onde tenho todas as minhas coisinhas, roupas, brinquedos, o meu quarto, na casa que por mais anos que passem e por mais que um dia terei a minha própria casa, aquela será sempre A CASA.
Não queria acreditar, naquele dia saí pela porta a pensar que quando voltasse já não ia haver nada, as minhas coisinhas já não iam estar lá, nada ia estar lá, apenas as paredes vestidas de um preto carregado, com cheiro a fumo intenso. E talvez quando regressa-se, a casa que chamo de minha, já não o iria ser. A casa poderia ter sido daquele amigo mau que a quis roubar.

Mas não, eu não deixei! Se era a minha casa, eu fiquei com ela, eu consegui!
Apenas uma divisão ficou parcialmente destruída, porque rapidamente o meu pai junto com as pessoas que foram chegando, apagaram as chamas. Foi apenas uma divisão, sublinho, poderia ter sido tudo, TUDO… e mais, estávamos todos a dormir, se eu não tivesse acordado, tinha sido tudo… e nós!
Que horror ! – pensam vocês.
A minha casa ficou, para além dos prejuízos (electrodomésticos, material e a própria construção em si) num tom escuro: o corredor era cor-de-rosa, ficou preto; a cozinha e a sala era cor-de-rosa ficaram com as paredes, bancadas, moveis, tudo preto; os quadros das paredes partiram-se com o calor, a casa de banho era branca, ficou tão escura que os azulejos não se distingam.
Acima do prejuízo (que passado alguns meses já está quase tudo no sitio) ficou o pânico, a tristeza, o susto e a dor. O pânico de ver o que é nosso arder; a tristeza por ver que tudo o que estava ali prestes a ser destruído foi uma vida, uma vida de luta e trabalho, uma vida de suor e de algumas tristezas, uma vida, apenas uma vida; o susto de acordar com a casa naquele estado e a dor, a dor de olhar para os meus e ver as lagrimas a cair (referi-mo ao meu pai principalmente porque foi uma imagem que ficou e ficará sempre na minha memória) recordo-me dele todo preto, dos pés à cabeça, o rosto todo preto, sujo do fumo, e no centro as lágrimas nos olhos dele, naqueles olhos azuis brilhantes, eu disse-lhe: « Oh pai não chores, e ele respondeu num tom triste: deixa… » essa imagem partiu-me o coração.
Hoje, passado uns meses, recordo tudo o que vivi e penso: « O que é um incêndio? O que é o fogo?»
Se vocês sabem, por favor digam-me a resposta.
Aquilo que vivi, não foi isso, ou talvez fosse. Mas foi mais. Foi um pesadelo. Não. Foi um pesadelo bem real.
 

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