O sonho de ter sonho nenhum

 

O sonho de ter sonho nenhum

Portuguese

Um rapazinho dos seus 7 anitos tinha um sonho. Sonhava não ter sonho algum.

                - Filho, se nós sonhamos é porque queremos ter sonhos. – dizia a mãe sorrindo ao  inquieto miúdo que batia o pé re-dizendo que não  queria ter sonhos.

                Lá ía ele, triste, com a resposta sempre igual que os adultos lhe ofereciam sempre que mencionava o seu sonho.

               - Se já sonhas em ter sonho nenhum, – dizia-lhe o pai, sentado na grande poltrona, à frente da lareira enquanto lia o jornal e fumava  cachimbo –  é porque já tens um sonho.

               Quando o pai lhe dissera aquilo, a sua primeira reacção foi sair da sala amuado. Era sempre igual, contudo, desta vez a resposta do  pai fez-lo pensar. Poderia ele estar certo? Poderia o seu sonho em ter sonho algum ser em si um sonho? A dimensão do pensamento fez-lo ficar  tonto. Agarrou-se à cama para não cair. Não podia ser possível! Os adultos sonhavam uma vida melhor, com mais dinheiro, um carro maior e  uma casa maior ainda. A palavra chave neles era “grande”. Os seus amiguinhos pensavam em ser médicos, bombeiros, e polícias, de forma a  poder ajudar as pessoas. Claro que eram miúdos e não percebiam nada da vida. Ajudar os outros? Que coisa tão fora de moda! Poderiam ajudar,  mas primeiro teriam de ter dinheiro, uma casa e um carro ainda melhor! Ou seria o contrário?

                - Esmeraldinha, tens algum sonho?

                Esmeraldinha era a sua melhor amiga, uma rapariga muito pragmática para a sua idade. Os adultos elogiavam-na por isso mesmo.

                - Claro que sim! Todos temos sonhos. Se bem que eu sou mais prática! Quero ter uma casinha no campo, com bichinhos para tratar e  ar puro para respirar. Mas quero uma casa sem andar de cima! Sim, porque quando for velhinha, posso ter problemas nos ossos e depois será  complicado descer as escadas.

                - És realmente uma menina muito prática, Esmeraldinha. – e ela sorriu para si mesmo de contentamento.

                Quando a avó o foi visitar ele já sabia bem o que lhe haveria de perguntar.

                - Avózinha, quando eras pequena tinhas sonhos?

           - Sonhos? Querido neto, na minha altura não havia sonhos. Havia desejos. O desejo de ter uma bicicleta que era o máximo que  poderíamos ter. Aliás, o que queríamos mesmo era ter um emprego.

               Os sonhos da avó, ou como ela lhes chamava – desejos – não eram lá grande coisa, pensou para si. Uma bicicleta ainda podia ser  giro, dava para se divertir, mas um emprego? Para que quer uma pessoa um emprego? São horas e horas a fazer uma coisa que não se gostava.  Não entendendia as pessoas que sonhavam com algum emprego.

               - Isso é porque és muito novo – respondeu-lhe o irmão que acabara de sair da universidade quando perguntado porque haveriam as  pessoas de sonhar com um emprego. – Quem me dera arranjar um emprego, seja ele qual for!

                 As pessoas ficavam realmente muito esquisitas quando cresciam,  pensou o rapazinho. Mas, qual seria o mal de ter o sonho e não  ter sonho nenhum? Não viveria ansioso, seja lá isso o que fosse, pois os adultos queixavam-se muito disso, não seria infeliz, mas também não  seria feliz. Enfim, coisas com as quais conseguia viver.

                - Não quero saber o que as pessoas pensam, a partir de hoje vou-me agarrar ao meu sonho de não ter sonho algum! – disse um dia à  hora do lanche à esmeraldinha enquando se sentavam nas escadas do pátio da escola.

                - Sabes que eu te apoio, mas isso não é muito esperto de se ter. – e ageitou os seus pequenitos óculos. Quando o fazia, o rapazinho  sabia que iria sair um grande discurso, então suspirou e escutou. – Quando crescer vou ser economista. – a esmeraldinha era realmente uma  criaturinha muito peculiar para a sua idade, pensou o rapazinho. – Pois é a única coisa que faz movimentar o mundo. Sem o dinheiro em  específico o mundo não seria igual e voltaríamos à pré-história. – E assim continuou durante uns cinco minutos.

                Nesse tempo, o rapazinho deixava o seu olhar fixar-se nas nuvens, brancas como açúcar, voando livremente naquel mar azul chamado  céu. Seria realmente o dinheiro assim tão importante? Deveria trocar o seu sonho de não ter sonho algum por o sonho de ter dinheiro? E já  agora, que o iria ter, muito por favor. Mas... o dinheiro não se comia, pensou. Não nos poderiamos vestir com ele. Não era possível fazer uma  casa de dinheiro, nem tampouco nos poderiamos mover através do dinheiro. Não, não sonharia com o dinheiro.

              Era muito dificil não ter sonho nenhum quando todos pareciam os ter. Que confusão se metera quando tivera a ideia de não ter  sonhos.

             Ainda assim, tinha de dar um tempo ao seu sonho, pois tinha uma coisa muito importante a falar com a Esmeraldinha. Já à muito  tempo que havia para lhe dizer algo, mas faltava algo. Faltava coragem. Mas chegara o dia. Não esperaria mais. Ia em frente!

                - Esmeraldinha, gosto de ti.

                - Eu também gosto de ti.

                - Não estás a perceber. Eu gosto mesmo muito de ti.

       Ela olhou-o, e um  ar de apreensão e confusão desenharam-se-lhe na cara.

                - Estás a falar de amor? É que se estás tira o cavalinho da chuva, porque somos muito novos para isso. Nesta altura temos de brincar  e aprender na escola, não podemos perder tempo com coisas desnecessárias como o amor. Além do mais,  vou casar um dia com o Joãozinho,  pois ele vem de famílias muito importantes. E tem cavalos. Eu gosto de cavalinhos.

 O rapazinho baixou a cabeça e correu para longe da Esmeraldinha. Ainda a ouviu, lá longe, a perguntar onde ia tão depressa, mas não lhe ligou.  Tentou que nenhuma lágrima lhe saísse dos olhos, mas elas não lhe ligaram e correram velozmente dos seus olhos face abaixo.

 Durante algum tempo não pensava em mais nada a não ser na rejeição que a Esmeraldinha lhe tinha dado. Mas, passadas algumas semanas,  talvez uns dois meses no máximo, voltaram a ser amigos como dantes e ele nunca mais pensara no amor, embora amargamente.

 Contudo, ao se recompor da sua primeira angústia de amor, recebera a pior notícia. Muito pior que ser rejeitado pela Esmeraldinha. A sua  avozinha querida tinha partido para um lugar diferente. Para o céu, dizia-lhe a mãe com os olhos lacrimecentos.

 Depois do amor rejeitado, a sua avózinha que tanto adorava, partia para nunca mais regressar. Nem se despedira. Novos tempos se passaram  com a sua cabeça em baixo. Estava muito triste. Nunca tinha ido a um funeral, e detestara este a que foi. Um funeral era muito pior que ir a um  hospital ou ao dentista. Nunca mais se lembrou do seu sonho em ter sonho algum. Mesmo nesse estado de grande tristeza, nesse momento de  dor, lembrou-se de algo. Ao não estar a pensar constantemente no seu sonho, tivera um vislumbre do que poderia ser. Era isso, como que por  magia tinha a sua resposta.

                  -  Vou sonhar com o Tempo. O Tempo é a coisa que pervalece sobre todas as outras. Imperador do Mundo, e senhor do Céu. Assim,  sempre que estiver triste, o tempo trar-me-á a felicidade. Se sofrer por amor, o tempo o sarará.  Se perder alguém para a morte, o tempo  encarregar-se-á de me juntar a essa pessoa. Se alguém chorar a minha morte, o tempo fará o contrário.

                E assim o rapazinho começou a sonhar com o Tempo. Sempre que estava triste, o tempo trazia-lhe a felicidade. Se sofria por amor, o  Tempo sarava-o. Qundo mais tarde perdeu amigos para a morte, o Tempo, levou-o para junto deles. Quando alguém, por contrário, chorou a sua  morte, o tempo, herança de sonho do rapazinho, fê-la ir ter com ele.

                - Já tenho um sonho.

                - Ai sim? – disse-lhe o irmão sem realmente lhe prestar muita atenção. – Então conta-me lá que sonho é esse.

                - Não to contarei, mas um dia ensinar-to-ei.

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