Amores de tela

 

Amores de tela

Portuguese

Quando Ana tentou resguardar a face já era tarde. “Achas que pode ser para hoje? Detesto chegar tarde” ouviu Luis dizer-lhe secamente, enquanto se afastava. “E quero-te jeitosa, ouviste?”. “Ouvi”. Despiu o vestido verde, de flores, e colocou uns jeans apertados e uma camisa de decote generoso. “Assim está melhor”, sussurrou-lhe à passagem, colocando-lhe as maos nas ancas “Estas linda. Agora poe um pouco de base, porque não quero que te vejam assim”. Lembrava-se bem dos tempos de faculdade. Grupo coeso, parcimoniosamente equilibrado, 3 rapazes, 3 raparigas. Elas transbordantes de vida e de atrevimento proprios da idade e eles agradavelmente permeáveis às investidas delas.  5 anos de curso, 10 longos semestres, mais de 1500 dias, alternados entre muito estudo e não menos noitadas. Luis era o mais divertido, o mais vistoso e, com deslumbramento, quando ele a pediu em casamento, sentiu-se bafejada pela sorte. Depois de casar, desejou avançar nos estudos, mas Luis opos-se, inicialmente enredando-a no engodo de virem a ter filhos e, mais tarde, após algumas tentativas falhadas, simplesmente proibiu-a. “Podemos ir?” Desceu as escadas, tropeçando na ansia de chegar rápido “És uma estupida, nem para isto serves”. Entrou no carro, cabeça baixa. “O que vamos ver? ”, murmurou, voz trémula, a tentar fazer conversa. “Vamos ao cinema. O que te parece que vamos ver? Um filme, não?” Com o tempo aprendeu a falar pouco e especialmente a não falar. Aprendeu que se ficasse muito quieta,  quase podia ser invisível e que, à noite, se fechasse os olhos e fingisse dormir, ele desistia de abrir-lhe as pernas à força. “Ana”. Virou a cabeça para seguir o som e na penumbra desvendou a Madalena. E o Martin. E a Vania e o Miguel, já sentados. “Venham. Vai começar”. Pareciam adolescentes em tempo de faculdade, entusiasmados por terem conseguido os lugares na última fila do cinema. O filme, esse, era basicamente o mais romantico que estava em cartaz e, quando o amor da tela tentou saltar para a plateia, foi impossível para Ana conter uma gargalhada sonora. Tê-lo-ia que explicar mais tarde, sabia-o, mas aquele momento de lucidez pertencia-lhe e por momentos deixou-se ficar entregue a si.

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