O homem sentou-se no banco do jardim. Tirou do bolso a carta de papel já gasto de tanto ser lido.
Por trás dele estava um anjo. Vestia de branco, com duas pequenas asas. A sua atenção estava centrada no homem, que lia a carta com a sua voz enrouquecida pela emoção.
“Meu amor, escrevo-te para te dizer que a minha decisão está tomada. Ponderei com base em tudo o que de bom e de mau o casamento nos trouxe, certa de que mulher alguma terá tido sequer um vislumbre do que vivemos.”
O homem limpa as lágrimas que se acumulam nos olhos e, depois, continua.
“Tivemos a nossa parte de sonhos e pesadelos. A tua maior alegria – sempre soube, mesmo que o negasses – era ter um filho. Sonhavas levá-lo ao futebol e ensiná-lo a pescar, tal como o teu pai te ensinou a ti.”
O homem pára. As recordações acumulam-se. As lágrimas aumentam. Quem diz que o homem não chora, ainda não viveu o suficiente.
“Depois de muita luta, conseguimos. Dentro de mim crescia uma vida que partilharia contigo como se partilham os tesouros mais ricos e privados - mas logo os médicos nos tiraram o sonho. Devia optar: eu ou a criança. Escrevo-te esta carta para te dizer que a decisão está tomada. Teremos de ser fortes, os dois.”
O homem arruma lentamente a carta, num ritual de dor. O anjo toca-lhe no ombro.
- Vamos, papá? Quero ver a mamã. Quero que ela me veja com o meu fato do teatro da escola. Achas que ela vai gostar?
Ele levanta-se. O rapaz apressa-se a dar-lhe a mão. É assim que transpõe o portão do cemitério: de mão dada a um anjo.
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