A e V - O Começo

 

A e V - O Começo

Portuguese

A: Chegaste-me de madrugada, de olhos plácidos e coração ardente, trazias no colo o perfume de todas as coisas maiúsculas e extravasava através de ti uma mágoa incontida, em perfusão táctil. Sabia quem eras, mas desconhecia há muito o teu paradeiro. Procurei-te durante algum tempo, por entre multidões avulsas, num mundo que deslizava entre muros de pedra, erguidos à custa de uma memória moribunda, em escuta permanente de vida respirada. De tudo o que era teu, recordava de forma sublinhada a geografia das tuas mãos estendidas sobre o leito do meu esquecimento. O resto, surgia-me sempre escondido, qual vulto pérfido, subtraindo uma a uma as minhas esperanças, alumiando um pranto mudo, trágico.

V: Não entendes... Tinha de esconder-me de ti. Nunca soube competir com a tua altivez. Amava-te, porém, tudo em ti era temível. Acredito que tenhas resguardado as minhas mãos, porque ao contrário dos meus olhos, eram elas que tudo denunciavam, como se a alma ocular tivesse escorrido para elas, e, através delas, se pronunciasse em sublime esplendor. Foram estas mãos que sempre te agarraram, sublinharam, nunca estes olhos. E foi ao enxugar as tuas lágrimas, desse choro que ninguém viu, que me descobri homem e que te descobri, a ti, mulher.

A: Procurei-te, equivocadamente, entre gentes que não eram as minhas, por ruas ladrilhadas a desespero gotejado de esperança. Quis encontrar-te para me perder na curvatura soberana do teu abraço. Foram os teus olhos que alcancei em primeiro lugar e neles vi embrionar-se uma existência compacta, que não era a minha, nem a tua, mas antes o prelúdio boquiaberto daquilo que viria depois; quando, por fim, as tuas mãos pernoitaram no meu corpo.

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