A rapariga do vestido azul

 

A rapariga do vestido azul

Portuguese

Francisco já se esqueceu há quantos anos trabalha na linha ferrea do Entroncamento, mas mantem vivo o dia em que, pela primeira vez, Sílvia passou por ele. Tinha pele clara, translucida, como nunca antes vira e quase que lhe adivinhou a pureza por debaixo do vestido azul arejado e dos seios pequenos. Olhar discreto, andar gracioso e mao nervosamente a apanhar o  cabelo negro, que teimava cair-lhe sobre a face, viu-a deslizar por entre a multidao de gente e dirigir-se à bilheteira. Embora não fosse mais que um mero aspirante a bagageiro, de roupa gasta e suada, por um segundo ela olhou-o nos olhos e encheu-o de esperança . A ansia não contida fê-lo saber que Sílvia trabalhava numa fábrica ali mesmo e que, se aceitasse sempre o turno da noite, poderia sentir-lhe o cheiro do colo a alfazema e ambar, ao vê-la passar todos os dias. A atenção dele fê-la admirar-se, primeiro com a forma como a olhava e, depois, com os seus próprios sentimentos e a intranquilidade de o não ver no resto da noite senão em sonhos. Após alguns meses, Francisco pediu folga e fez a viagem no lugar ao seu lado, sem trocarem uma so palavra. Era dia de festa na aldeia e levou-a a ver a banda e o fogo de artifício. Quando a musica começou, acariciou-lhe a mão, conteve-a até ficar dentro da sua e junto ao peito, enlaçou-a pela cintura e fê-la ondular devagarinho ao som dos acordes. Sentiu-lhe a peito ofegante, o ar a dançar nos pulmoes e o cheiro a canela no hálito, enquanto lhe oferecia uma amostra fugaz da vontade que o assaltava e lhe trauteava baixinho a musica, junto ao ouvido. Nessa noite, o comboio regressou vazio ao Entroncamento...

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